Edméa é o nome
dela. Negra, sorrisão, cabelos crespos, sempre presos ou poucas vezes alisados
com henê, soltos na altura dos ombros. Baixinha, magra, muito ativa, andava de
um lado pra outro, resolvendo a vida. A própria, a do marido, das filhas e de
todo mundo que com ela buscasse socorro. Morava na periferia da periferia da
cidade, numa casa própria, porém de infraestrutura precária. Ela e o companheiro
se completavam na rotina de trabalho duro para dar o mínimo de dignidade às
meninas: estudo, roupa, comida, cama, chuveiro quente. Era umbandista. Atendia em
casa, com suas entidades, ao povo necessitado de apoio espiritual, um
trabalhinho pra arrumar emprego, pra curar doença, pra trazer amor de volta. Não
tinha hora nem dia pra levar ajuda a qualquer pessoa que necessitasse.
Edméa não é
mais deste mundo. Partiu nem sei mais há quantos anos. Foi continuar seu
trabalho de caridade na outra dimensão; não saberia ficar à toa nem no paraíso.
Está presente em boas memórias de infância, quando era merendeira da escola
pública e todas as vezes que minha mãe me mandava lá, me recebia com um pote de
arroz doce. Nunca mais comi arroz doce como o dela; nem minha mãe conseguiu
reproduzir a consistência e o sabor. O largo sorriso volta e meia aparece na
mente, como se ela mesma, em pessoa, se materializasse. Sorrio quando revejo na
mente o olhar de menina que acompanhava suas risadas.
Uma das
melhores amigas de minha mãe. Era assídua em casa, sentada à mesa da cozinha,
com o copo de café na mão esquerda e o cigarro aceso na direita. Falava sem parar,
enquanto minha mãe cuidava do almoço. Gostava de todos nós e me paparicava, a
única criança da família naquela época. Se preocupava com meus irmãos,
perguntava por todos. E a nós, também socorria espiritualmente. Bastava pedir. Certa
vez torci o tornozelo na escola e após o tratamento médico, continuava sentindo
dores. Edméa benzeu meu pé, religiosamente todas as semanas, até eu afirmar,
com certeza, que não doía mais.
O coração não
lhe cabia no peito. Mal tinha pra si, mas vivia de oferecer aos outros, de se
doar. De educação deficiente, não sabia resolver as encrencas em família com
calma e serenidade: brigava, esbravejava, chinelo voava em cima das crianças.
Vizinhança a escutava de longe, quando o pau quebrava na casa da Edméa. Era assim
que sabia fazer e nada disso lhe tirava a quantidade de amor que levava na
alma.
Fazia festa no
dia de Cosme e Damião, preparava um bolo confeitado do tamanho da mesa, doces,
balas, pirulitos e guaraná. Enchia a casa de criança, incorporava a Mariazinha
e ia pro quintal brincar com a gente. Aquilo era engraçado e estranho ao mesmo
tempo, pois não entendia direito aquela transmutação: Edméa de saia rodada,
cabelos presos numa maria-chiquinha, com laços de fita cor-de-rosa, descalça, brincando
de pique, com um pirulito na boca.
Muito antes de
chegar a velhice, o coração grande de Edméa não deu conta do agito que era a
vida dela. Ficou fraco e lhe roubou a disposição. Não demorou e Edméa se
despediu da existência. Foi brincar de pique com as crianças do outro mundo. Lembro
do choque da notícia, da minha mãe triste, no entanto não chorei. Parece que
passei a dor adiante. Não fui ao velório, não vi o corpo descer à sepultura.
Ela é Edméa e está aqui, nesse sorrisão que que me aparece com frequência. Sempre
na hora certa.
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