19 de dezembro de 2015

Dois tempos

- Mãe, sobe aqui, rápido! Você precisa ver isso!
- Que é? Está me assustando!
- Sobe, depressa!

Ele me mostra, da janela do quarto, o céu roxo que adoro, prestes a desabar em chuva. É quase possível sentir o peso da água, que a força da gravidade empurra pra baixo. Esqueço o estava fazendo e paro. Fico estática, diante do espetáculo que vai transformando a paisagem rapidamente. Admiro o contraste com as copas das árvores, com os telhados, os muros. E me causa imenso respeito o silêncio da natureza, a prenunciar a tempestade que se aproxima. Nem um pio da passarinhada costumeira.

A ventania traz as folhas da árvore em frente pra dentro do quintal. Roupas voam na corda e pra fora dela também. Aos primeiros trovões, ainda ao longe, os bichos de casa pressentem que lá vem problema e caçam cantos pra se esconder. Ouvem-se vidraças que se fecham na vizinhança e a mãe que grita à filha: “Essa porta batendo aí!”. E o que há pouco era nuvem encorpada desaba sobre nós.

A casa é quietude. Do sofá, através do vidro que ainda escorre, vejo gotas remanescentes da chuvarada de há pouco. O tempo para; já não há mais vento. Agora é calmaria. Não há som ligado, nem TV; os bichos dormem em volta. Silêncio ruidoso: na rua, passarinhos celebram o cair da tarde. Brincam nos galhos úmidos, tomam banho nas poças das folhas, fazem algazarra na água que desce pela canaleta. Passa um carro, passa outro, e se vai distante o ronco do motor subindo a rua até sumir. Ora uma criança dá sinal de vida num apartamento, ora um cachorro late ali embaixo.

Vem da cozinha o recomeço após a chuva. O movimento que já conheço da leiteira no fogão, do acendedor, a tampa. A torneira aberta lavando a garrafa. A gaveta de talheres, o pote que é aberto e em seguida fechado. Canecas retiradas do armário. O aroma inconfundível.

- Mãe, tá rolando um café fresco, vem pra cá!
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