29 de dezembro de 2015

Não se vive sem

Saudade não é algo que se sente. Tenho pensado a respeito. Saudade é algo que está em si. Nasce-se com ela, vive-se com ela e vai-se embora da vida carregando-a junto.

O tempo todo há uma saudade presente, quase ostensiva, e às vezes nem parece sentimento; há momentos em que parece mesmo orgânica, que faz parte do corpo. Chego a imaginar que se ficar sem saudade dentro de mim, estarei como de luto. Seria o luto de saudade da saudade.

Ou seja, ela não sai, não vai embora, não é retirável, não morre com a morte, não se mata nunca. A saudade não se mata; é eterna.

Interessante é saber que o sentido ampliado da palavra saudade só existe pra nós, que a expressamos e a ‘sentimos em Português’. Originada no Latim, está, sim, em outras línguas, ao contrário do que se costuma afirmar. Porém, quer dizer mais exatamente a falta do lar, uma vontade de voltar à casa, uma solidão por isso. Já na Língua Portuguesa saudade que dizer muito mais: é dor de toda ausência, uma dor que se pode dizer prazerosa. Tão prazerosa que foi, é e será para sempre em versos, canções e prosa. E a rima aqui é proposital.

Vinicius cantou: “Chega de saudade / A realidade é que sem ela / Não há paz / Não há beleza / É só tristeza / É só tristeza e a melancolia / Que não sai de mim.”. E Djavan também: “Era tanta saudade / É pra matar / Eu fiquei até doente / Eu fiquei até doente, menina / Se eu não mato a saudade / É, deixa estar / A saudade mata a gente.”. Clarice abusou: “Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença.”. E Fernando Pessoa foi mais longe: “Saudades! Tenho-as até do que me não foi nada, por uma angústia de fuga do tempo e uma doença do mistério da vida.”.

É incurável, pois que está sempre aqui dentro, a lembrar algo que não terá mais volta. Ou terá, mas de outra forma ou em outro tempo, quem saberá? A gente sente saudade até de não sei quê.

Uma brisa fresca ao fim da tarde... saudade; por do sol no outono... saudade; céu estrelado em noite clara... saudade; música, perfume, comida, filme, andar na rua... saudade; sonhar dormindo ou acordada... saudade. Um nome que nunca ouvi antes... saudade.


Publicada originalmente na Revista Volta Cultural - Dezembro/2015 
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