27 de novembro de 2014

Por que precisamos tanto

Desde criança, por instinto, ou intuição, via nas árvores algo que me remetia a um sentimento bem fundo, “lá dentro”, como tentava explicar. Sensível, talvez pela idade, quando via um corte de galhos ou a derrubada de uma árvore inteira, doía, de verdade. Apertava os olhos, cerrava os dentes, comprimia os músculos, do mesmo jeito que se faz quando se contrai o corpo para contornar a sensação de dor.

Demorei muito para entender aquela percepção. Ou melhor, foram necessários os anos de leitura, estudo e aprendizado com a própria vida para compreender que não se pode prescindir delas. A partir delas que é ‘fabricada’ a água que se precipita em forma de chuva.

Florestas tropicais como a Amazônia produzem grandes quantidades de água por meio da evaporação de água na transpiração das folhas e vegetação em geral, criando nuvens de chuva que levam suprimentos vitais de água para outras regiões do país. Uma árvore adulta pode absorver do solo até 250 litros e transpirar até 60 litros de água por dia. Mais de dois bilhões de pessoas dependem das terras florestadas para proteger seus suprimentos de água. Regiões desmatadas podem perder até 90% da água da chuva.

A equação é simples; o entendimento, precário. Autoridades, profissionais técnicos de diversos segmentos, bandidos que assaltam as matas diariamente e, claro, os demais criminosos que permitem e fecham os olhos para a derrubada das florestas, trocam a compreensão de uma premência por interesses diversos.

Parece tão simplória essa fala. Porém, é dessa forma bem simples que se deve esclarecer por que precisamos de árvores, por que não tapar todo o solo com asfalto e cimento, por que defender cada arbusto contra cortes indiscriminados, por que brigar incansavelmente não só pela Floresta Amazônica, mas por qualquer concentração de mata, por menor que seja. Onde tem árvore, tem fabricação de água e de oxigênio.

Numa crônica de 2008, cito texto de Rubem Fonseca, “Pensamentos Imperfeitos”, no qual ele afirma ser impossível alguém que não goste de árvores: “Não falo do sujeito, índio ou não, que faz a queimada para plantar mandioca, soja, cana de açúcar ou lá o que for. Esse vai direto para o inferno, mesmo jurando para São Pedro que fazia isso para conseguir o leite das crianças. Falo das pessoas que me cercam, que vivem na minha cidade e não têm qualquer razão para destruir, desprezar, ou até mesmo ignorar a existência das árvores”.

Recentemente perguntei a uma conhecida por que tinha derrubado o sombreiro que há tantos anos estava lá, no jardim ao final da rua, de frente para sua varanda: “As raízes estavam entrando embaixo da casa e levantando o piso”. Ah, tá. E quem chegou primeiro? Por que não se pensou em um projeto para manter a árvore no seu lugar, sem prejudicar a edificação? Faltou arquiteto, boa vontade ou inteligência? E que tal não ter oferecido para venda aquele lote, porque havia uma árvore ali que deveria ser preservada? Já fiz perguntas semelhantes em ocasiões diversas. Jamais houve uma resposta convincente, nem do tipo: “é mais fácil cortar a árvore, que pensar”.

Pensar. É isso o que se está tentando ensinar a muitas crianças, nas poucas oportunidades em que professores conseguem com que os pequenos reflitam. É essa garotada, ainda, a melhor multiplicadora de informação, a que leva para casa a orientação para pais e irmãos. É preciso ouvi-los! É preciso insistir cada vez mais com essa geração. Pois pode ser ela que, para sobreviver, terá que usar a inteligência que desperdiçamos para encontrar a solução que não conseguimos até hoje. E olha que é fácil, muito fácil. No entanto, está ficando pra depois.
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