Tem sido
difícil encontrar inspiração para escrever crônicas. Por mais que tente mudar
de assunto, entre simples rabiscos e textos quase concluídos, acabo caindo na
temática pisada e repisada da política despolitizada dos últimos dias (ou de
sempre, como queira). A frustração, a decepção, a surpresa e estupefacção me
tomaram de tal modo, que o senso criativo ficou comprometido, impedido de
vagar por outras paragens senão a grave preocupação com a sociedade em que vivo
e por qual brigo diariamente.
Leio e
releio obras inspiradoras de Rubem Braga, Clarice Lispector, Fernando Sabino,
Drummond, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, numa tentativa vã de recobrar
a capacidade de contemplação e abstração, necessárias ao discurso leve da
crônica. Volto aos dias de infância, rememoro datas, revejo amigos e revivo
momentos passados, porém quando retorno a este lugar em que estou, a realidade
não me permite tirar os pés do chão, ou melhor, não me permite soltar a mente e
as mãos.
Não me
saem da cabeça incoerência, preconceito, intolerância, homofobia, misoginia,
falta de educação, falta de leitura, falta de conhecimento político básico, truculência,
fascismo, agressividade, violência, estupidez, imbecilidade, falta de vergonha
por tudo isso.
Como
disse um amigo próximo que sofreu os dias sombrios da ditadura, não dá pra “cantar
o por do sol, com seus raios batendo nas quaresmeiras em flor à beira da
estrada de Santos”, com a densidade da própria vida ao nosso redor, clamando
nossas vozes em coro.
É o que
me ocorre agora. Após tanto despautério acontecendo diante dos meus olhos,
depois de assistir, assombrada, a uma horda de alucinados gritando por
intervenção militar na avenida principal da maior metrópole do país, no momento
em que meu país luta a duras penas para consolidar uma democracia tão suada pra
ser conquistada, só mesmo o descanso da mente. “O acrobata pede desculpas e
cai”, diz Fausto Wolff.
É preciso
tempo. Eu preciso de tempo. Ainda não digeri ou vomitei tudo o que entalou na
garganta. Ainda não descobri o que fazer com tudo isso que está assustadoramente
aí. Ainda não pude entender o que faz um deputado ir armado a uma manifestação
que se nomeia pacífica (embora berre pelo retorno do que tivemos de mais
violento na nossa história recente). Não alcanço a compreensão de tamanho
desvio psíquico que acomete a tanta gente ao mesmo tempo.
Aos
poucos, as ideias vão retomar seu lugar de sempre; devagarinho vou conseguir
novamente discernir o que é lá e o que é cá e minha observação poética do
cotidiano pode ocupar novamente seu local de destaque. Talvez – quem sabe?
– tenha a capacidade magistral de transformar toda essa lástima em ironia e
graça, a exemplo do que fizeram e fazem grandes cronistas da nossa história –
atualmente brilham nesse cenário Antônio Prata e Gregório Duvivier.
No
entanto, confesso que ainda amargo o susto dos acontecimentos recentes. Meu sistema
permanece no modo ‘pause’, enquanto a fita (que coisa mais coisa antiga!) é rebobinada.
Só espero que não embole.
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Um comentário:
Querida Giovana, compartilho de seus sentimentos, integralmente. O magistério, apesar de ter me colocado diretamente em contato com uma juventude reacionária (nunca antes na história deste país havia visto isso), também me deu a oportunidade de fazer uma limonada, com todo o limão amargado durante este período. Pra mim é tudo novo! Sinto que estou descobrindo o Brasil... Descobrindo mesmo, retirando a coberta. Isso tudo estava ali... É o que parece, mas em stand by. O gigante parece ter acordado e de mau humor! Soa como uma praga, que acabou sendo liberada por algum desavisado. Parece coisa da ficção! Mas, voltemos aos nossos afazeres, às nossas leituras, estudos, ao nosso comprometimento. É importante que façamos isso! Usemos toda essa energia para a construção daquilo que está em constante criação: a sociedade! De tudo, serviu para nos mostrar que a estabilidade da democracia depende um entendimento; que a sociedade é um organismo vivo e que está em constante mudança/crise. Portanto, tudo o que ocorre não é estranho à democracia. É parte dela! A luta continua, companheira!! Mas vamos levá-la (ou elevá-la) a outras instâncias!!
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