4 de novembro de 2014

No modo ‘pause’

Tem sido difícil encontrar inspiração para escrever crônicas. Por mais que tente mudar de assunto, entre simples rabiscos e textos quase concluídos, acabo caindo na temática pisada e repisada da política despolitizada dos últimos dias (ou de sempre, como queira). A frustração, a decepção, a surpresa e estupefacção me tomaram de tal modo, que o senso criativo ficou comprometido, impedido de vagar por outras paragens senão a grave preocupação com a sociedade em que vivo e por qual brigo diariamente.

Leio e releio obras inspiradoras de Rubem Braga, Clarice Lispector, Fernando Sabino, Drummond, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, numa tentativa vã de recobrar a capacidade de contemplação e abstração, necessárias ao discurso leve da crônica. Volto aos dias de infância, rememoro datas, revejo amigos e revivo momentos passados, porém quando retorno a este lugar em que estou, a realidade não me permite tirar os pés do chão, ou melhor, não me permite soltar a mente e as mãos.

Não me saem da cabeça incoerência, preconceito, intolerância, homofobia, misoginia, falta de educação, falta de leitura, falta de conhecimento político básico, truculência, fascismo, agressividade, violência, estupidez, imbecilidade, falta de vergonha por tudo isso.

Como disse um amigo próximo que sofreu os dias sombrios da ditadura, não dá pra “cantar o por do sol, com seus raios batendo nas quaresmeiras em flor à beira da estrada de Santos”, com a densidade da própria vida ao nosso redor, clamando nossas vozes em coro.

É o que me ocorre agora. Após tanto despautério acontecendo diante dos meus olhos, depois de assistir, assombrada, a uma horda de alucinados gritando por intervenção militar na avenida principal da maior metrópole do país, no momento em que meu país luta a duras penas para consolidar uma democracia tão suada pra ser conquistada, só mesmo o descanso da mente. “O acrobata pede desculpas e cai”, diz Fausto Wolff.

É preciso tempo. Eu preciso de tempo. Ainda não digeri ou vomitei tudo o que entalou na garganta. Ainda não descobri o que fazer com tudo isso que está assustadoramente aí. Ainda não pude entender o que faz um deputado ir armado a uma manifestação que se nomeia pacífica (embora berre pelo retorno do que tivemos de mais violento na nossa história recente). Não alcanço a compreensão de tamanho desvio psíquico que acomete a tanta gente ao mesmo tempo.

Aos poucos, as ideias vão retomar seu lugar de sempre; devagarinho vou conseguir novamente discernir o que é lá e o que é cá e minha observação poética do cotidiano pode ocupar novamente seu local de destaque. Talvez – quem sabe? – tenha a capacidade magistral de transformar toda essa lástima em ironia e graça, a exemplo do que fizeram e fazem grandes cronistas da nossa história – atualmente brilham nesse cenário Antônio Prata e Gregório Duvivier.

No entanto, confesso que ainda amargo o susto dos acontecimentos recentes. Meu sistema permanece no modo ‘pause’, enquanto a fita (que coisa mais coisa antiga!) é rebobinada. Só espero que não embole.
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Um comentário:

Carol Cunha disse...

Querida Giovana, compartilho de seus sentimentos, integralmente. O magistério, apesar de ter me colocado diretamente em contato com uma juventude reacionária (nunca antes na história deste país havia visto isso), também me deu a oportunidade de fazer uma limonada, com todo o limão amargado durante este período. Pra mim é tudo novo! Sinto que estou descobrindo o Brasil... Descobrindo mesmo, retirando a coberta. Isso tudo estava ali... É o que parece, mas em stand by. O gigante parece ter acordado e de mau humor! Soa como uma praga, que acabou sendo liberada por algum desavisado. Parece coisa da ficção! Mas, voltemos aos nossos afazeres, às nossas leituras, estudos, ao nosso comprometimento. É importante que façamos isso! Usemos toda essa energia para a construção daquilo que está em constante criação: a sociedade! De tudo, serviu para nos mostrar que a estabilidade da democracia depende um entendimento; que a sociedade é um organismo vivo e que está em constante mudança/crise. Portanto, tudo o que ocorre não é estranho à democracia. É parte dela! A luta continua, companheira!! Mas vamos levá-la (ou elevá-la) a outras instâncias!!