23 de setembro de 2014

Uns e outros

Dez e trinta da manhã e a pequena lanchonete da recepção do hospital está lotada. Sentados ou de pé, pacientes que se submeteram a exames fazem seu desjejum; acompanhantes em compasso de espera; visitantes. Do lado de dentro do balcão, três atendentes – uma no caixa, duas preparando cafés e servindo salgados e sanduíches – se esforçam ao máximo para dar conta do recado, sem se estressarem, com sorrisão aberto nas faces, dinâmicas, concentradas, educadas. A fila do caixa cresce. Parte dos clientes aguarda, enquanto outros já fazem seus lanches, todos em silêncio.

Estou na fila do caixa para tirar minha ficha. Como tantos outros, estava também em jejum, acabara de sair de uma ressonância magnética e iria resolver ali mesmo a carência do meu estômago, antes de tocar a segunda-feira adiante. À minha frente, três pessoas; exatamente diante de mim, uma mulher usando lenço na cabeça, rosto redondo, sem sobrancelhas, pele com cor indefinida. Rapidamente se reconhece uma paciente em tratamento contra o câncer.

De repente, um sobressalto. Às minhas costas uma cliente reclama, em alto e bom som, do atendimento. Diz que tem pressa, que não pode ficar ali, que é tudo muito lento, que é uma falta de respeito. Viro-me lentamente, sem crer no escândalo, olho direto nos olhos dela, que me encara e continua, em busca de apoio: “Isso cabe reclamação formal, você não acha? Estou me sentindo lesada, vê se pode, tenho o que fazer, não posso perder tanto tempo”. Volto a cabeça e assim permaneço. Ela não para. E a palavra ‘absurdo' e a expressão ‘falta de respeito’ são repetidas a cada fim de frase.

Atrás do balcão, as três atendentes continuam sorridentes, plácidas, apressadas e concentradas. Não podem sequer se dar ao luxo de olhar e torcer o nariz. Do lado de fora, tudo como antes. Silêncio, paciência, tolerância, compreensão. De cabeça baixa, a maioria toma seu café, fingindo não estar ali, quem sabe sofrendo de vergonha alheia ou apenas respeitando o local em que estamos. Ainda na fila, de novo a cidadã discorre uma lista de impropérios, desiste e vai embora. A fila anda. As pessoas se olham disfarçadamente, ao mesmo tempo em que a paciente à minha frente, já na sua vez, no caixa, encerra a questão: “E eu agora vou entrar pra fazer uma seção de quimioterapia.”.


Crônica publicada originalmente no jornal Volta Cultural - setembro/2014
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Um comentário:

joseadal disse...

Cada um vive seu momento. Bom se pudéssemos ficar cada um no seu canto. Mas em sociedade ou todos ficamos calados, como os bons comportados da fila, éticos, ou botamos pra fora o que estamos sentindo: o nervoso com impropérios, a que ia para quimioterapia em sua voz resignada. Acho que conviver com esses últimos é melhor, nos faz refletir. Os calados não nos acrescentam nada. Hoje, tô com as cachorras.