Sempre que estou no trânsito e me revolto com aquele
motorista abusado, com instinto de superioridade, divago entre falta de
educação e egoísmo. Tento, em vão, chegar a alguma conclusão sobre de onde
viria comportamento tão esdrúxulo no espaço coletivo. Poderia se originar da
criação precária, em que não se aprende a respeitar o outro; poderia vir da má
índole mesmo, afinal; ou o cara é na verdade um egoísta simples, daquele que
não enxerga um palmo adiante, ao lado ou a qualquer distância além de dois centímetros
do próprio umbigo. O medíocre.
Certa vez, de carona com um conhecido, passei todo o trajeto
assustada, desconfortável e constrangida. O cidadão dirigia com a mão esquerda
no volante e a direita na buzina, forçava passagem, não permitia que fosse
ultrapassado, mesmo que o outro carro estivesse com mais da metade à frente.
Cortava pelo acostamento, não dava a preferência aos mais frágeis – pedestres e
ciclistas – xingava, esbravejava. Parecia estar numa guerra e seu único
objetivo era vencer. Em algum momento resolvi comentar algo do tipo “não
costumo fazer isso”, ao que ele respondeu de imediato: “É, mulher é assim
mesmo...”
A questão não é de gênero. Trata-se de educação. Não costumo
fazer nada do que ele faz por educação. Apenas isso.
E volto ao início desta conversa: falta de educação ou
egoísmo? Existiria um ser tão egoísta que não pudesse ser educado devidamente e
mudar sua forma de se ver e de ver o mundo? Poderia, então, sugerir que todo
egoísta é mal educado? Ou todo mal educado é egoísta? E, finalmente, haveria
solução para os problemas do trânsito que, tanto quanto o excesso de veículos
nas ruas, são originários do mau comportamento dos motoristas, ao negligenciarem
um espaço que é de todos?
Ainda pior é o egoísmo oculto: o indivíduo se posiciona de
forma educada frente a seus semelhantes; é aquele que “não faz mal a ninguém,
mas também não faz o bem”. Explico: é o tipo de pessoa que vive sua vidinha
certinha, no entanto não levanta os olhos para o que ocorre a sua volta. Está
sempre a repetir: “ainda bem que não é comigo”, “ainda bem que não é com minha
filha”, “não quero nem saber, já que tô aqui quietinho, ganhando meu
dinheirinho”, “trabalho todos os dias honestamente, não roubo nada de ninguém;
fecho minha porta e minhas janelas e estou em paz”, “sou um cidadão de bem,
esse problema não é meu”.
Por se considerar tudo isso, pensa que pode fazer o que bem
entender: é aquele que não cuida do próprio lixo e o despeja de qualquer jeito
na calçada em frente, do outro lado da via (quando não pendura na árvore); leva
animal pra passear e não recolhe o cocô; é contra o trânsito de ônibus na sua
rua, principalmente os que vêm da periferia da cidade; contrata carroceiro pra
recolher entulho de obra e nem quer saber se o lixo será despejado no rio, na
calada da noite; maltrata cachorro; mata gato; para o carro em fila dupla em
avenida de tráfego intenso e ainda sai do veículo; promove rinha de galo ou
briga de cães; transforma a sala do cinema em uma lixeira e ensina os filhos a
fazerem o mesmo; estaciona o carro na porta de casa, mesmo não sendo vaga,
atrapalhando o vizinho de frente a entrar com o seu veículo na garagem; joga lixo
pela janela do carro (importado e branco); para o carro quase à meia-noite em
frente a prédio em bairro residencial e esquece a mão na buzina, para chamar o
morador do sexto andar (campainha? oi?); faz obra dentro de casa e vira massa
no meio da rua; reclama que o poder público não cuida de nada e joga sofá no
rio; reclama da enchente e joga lixo na rua; toca a vida com base em favores para
benefício próprio; queixa-se do político corrupto, mas se estivesse no lugar
dele, faria pior; defende a maioridade penal, ao mesmo tempo em que ensina o filho
adolescente a ser um playboy, irresponsável, desrespeitoso, inconsequente, por
quem vai pagar o que for preciso, para liberar da cadeia quantas vezes for
necessário; bate na mulher.
A lista é interminável. Só de reler esse pouco já cansa,
revolta. Entendidos em literatura poderiam dizer que isso não é uma crônica,
pois não trata de contemplação, não tem humor e blá-blá-blá. Por outro lado, se
crônica é o retrato do cotidiano, está aí o nosso, bem claro, bem real, bem
egoísta, bem sem educação. Salvos alguns sobreviventes.
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Um comentário:
Enquanto leio sua crônica, vejo, da minha janela, o vizinho desperdíçando água à vontade enquanto lava seu carro...Um dia reclamei e ele respondeu "Quem paga a minha conta sou eu".Como se o dinheiro comprasse tudo...Infeliz!
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