“Não posso perder esse marido! Dependo dele pra
sobreviver!”
Acalmem-se, feministas de plantão. A frase acima encerrou
um papo rápido no bufê de um restaurante, após minha surpresa com o total
desconhecimento de uma colega de trabalho a respeito dos legumes expostos.
- Hhuumm... O que é isso?
- Uai, não conhece batata?
- Conheço quase nada. Não entro na cozinha, não vou a
supermercado, nunca cozinhei na vida, nunca aprendi. Olho para esse monte de
vegetal aí e sou capaz de reconhecer só a batata, às vezes. E olhe lá.
- Jura? Como você faz em casa?
- Meu marido cozinha. Adora cozinhar. É ele quem faz tudo
desde que nos casamos, há vinte e sete anos.
- Gente! Que sensacional!
- Pois é, menina, tenho que cuidar dele direitinho, né?
Não posso perder esse marido! Dependo dele pra sobreviver!
A naturalidade é tanta, que senti inveja. Sei cozinhar,
mas não gosto. Quando estou a fim, preparo algo para satisfazer um desejo
passageiro meu ou de alguém de casa e pronto. Só que a obrigação imposta pela
sociedade machista (leia-se: mãe) nos coloca em desconforto até para dizer isso
livremente, sem causar um mínimo de espanto, por meio de um olhar de reprovação
ou um “Nossa!”. Minha amiga foi além: assume que não sabe, se deu liberdade
para continuar não sabendo e se diverte em contar.
Durante anos, nos almoços em família - esses em que cada
uma leva um prato - optava por levar o sorvete. Era só passar na padaria,
comprar dois potes e estava resolvida a minha colaboração. É tão difícil
entender que a pessoa não gosta de cozinhar, que a reação é sempre meio
debochada, de desqualificação e redução, como se cometesse uma falta
imperdoável e, por isso, fosse ‘menor’ que o resto da humanidade. Até que num
domingo, ao dispararem o palavrório de sempre, ouviram como resposta: “Vocês
estão com a barriga encostada no fogão desde cedo, né? Então, que pena. Passei
a manhã i-n-t-e -i-r-a namorando, embaixo do edredom. Taí o sorvete!”
A recriminação alheia é gritante com mulheres que não
‘cumprem seu papel’, conforme exige essa cultura tosca, ainda no século 21. E
elas continuam se dobrando. É triste ver mulher que nos dias de hoje se obriga
a preparar e servir o jantar ao marido, após chegar exausta do trabalho (disse
‘se obriga’, é bom frisar). Lamentável existir mulher que trata seu companheiro
como filho. Sem contar aquela que tem patrão em lugar do homem com quem deveria
compartilhar uma vida por amor.
Mulheres permanecem sendo serviçais porque continuam
sendo educadas para tal e não conhecem outra forma de viver. Costumo dizer que
não nasci com vocação para esposa. Amém que me casei com um homem sem talento
pra marido. Uma convivência ideal, sem obrigações excessivas unilaterais. Ambos
são responsáveis pela casa. Claro que há muito que aprender, porém, apenas o
fato de o indivíduo se dispor a se desobrigar já é um grande avanço. Porque somos
iguais, com direitos iguais, sem donos. Simples assim.
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3 comentários:
Muito triste.
O ato de cozinhar é igual anjo: não tem sexo.
Eu curto preparar um alimento, mas a obrigação de fazê-lo me mata.
Beijo!
Detesto cozinhar! Um marido assim é meu sonho de consumo.
Adorei o texto!
Como já disse noutros comentários internet afora, dei o golpe da panela e me casei com um belo de um chef, que adooora cozinhar. Já eu, não nasci pra isso e nem me coloco à disposição para aprender. Faço melhor outras coisas. Confesso que também me surpreendo com esse modelão cafona e atrasado em que a casa gira em torno da mulher. Não dá pra mim. Se ambos estão fora o dia todo, é justo que as responsabilidades sejam divididas até porque isso faz parte do pacote de sair debaixo das asas da mamãe e do papai. Viver junto é escolha e se baseia, exclusivamente, em amor. Adorei o texto!
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