Os papos com o filho depois do lanche noturno são sempre
muito pitorescos. Comentamos do dia, das aulas, do trabalho, das provas e quase
sempre encerramos a conversa próximos à pia, na hora em que lavo a louça. Numa dessas
noites, enquanto relatava fatos soltos sobre minha juventude, ele já virara aas
costas para sair da cozinha, mas o que deveria passar apenas como uma nota
trivial, tornou-se interessante pra ele, que voltou: “Mãe, e como vocês
marcavam os eventos, os encontros? Não tinha celular, né?”.
Pois é. Durante a minha infância não tinha nem telefone fixo;
as condições de temperatura e pressão não nos permitiam tal luxo. Então, quando
combinava algum encontro com amigos, era pessoalmente, na escola, e a gente
confiava no acerto. Se a festa fosse de amigo na mesma rua ou bairro, era mais
legal: “Dona Cecíliaaaaaaaaaa! A Giovana pode ir no meu aniversário, sábado, às
sete horas?”. E meu filho, surpreso: “E era só isso? Convidava e confiava?!”.
Sim, sem o aparato tecnológico de hoje, os programas eram
combinados com um pouco mais de esforço. Se bem que não me lembro de tamanha
agitação na minha adolescência, como a que vejo hoje. É festa toda hora, show
todo fim de semana; a agenda da garotada é intensa. Sem contar que os horários
também mudaram: nossos, digamos, eventos começavam e terminavam cedo, entre
sete e oito, até, no máximo, meia-noite. Ficava muito p*, inclusive, porque
minha mãe marcava “em casa às dez”, hora em que a festa ainda estava no auge.
O auge, neste caso, era aquele momento em que os casais se finalmente
se juntavam na sequência de música lenta, enquanto os outros ficavam olhando,
dando risinhos, invejosos, enciumados ou torcendo para que pais ou mães não
chegassem de repente. Afinal, aos 12, 13, 14 anos, aqui por essas paragens, não
era assim tão liberado namorar ou ficar. E o risco de adultos nos surpreenderem
ficava restrito ao ambiente da festa, já que não havia celulares em punho,
registrando os acontecimentos ao vivo e em cores.
O problema é que esses encontros eram realizados nas nossas
próprias garagens, de frente para a rua. Com os pais
do colega que promovia a festa comumente agarrados na cozinha, era
a chegada da mãe ou pai de algum de nós que causava alvoroço. Normalmente isso acontecia
mais cedo, antes do horário marcado pra buscar.
E o corre-corre era geral: “Sua mãe tá no portão!!!”: descola, tira a mão, toma
distância do garoto, dispara pro banheiro pra disfarçar a vermelhidão dos
lábios e ajeitar a roupa. Em ritmo de messengers de todo tipo, essa galerinha quase
‘fica’ via whats app; isso só não acontece porque curte muuuito ficar de
verdade. Pelo menos isso; nem tudo está perdido.
O que sei é que o papo me encheu de saudade da rua, das
conversas sem fim sentada no meio-fio à noitinha, dos eventos que chamávamos de
‘bailinho’, daqueles meninos lindos de boca doce com quem a mãe mandava ter “cuidado,
que homem não presta” e a gente ria, por dentro. Saudades da paquera ao longe,
do bilhetinho na sala de aula, da cartinha jogada furtivamente na pasta
escolar, das rodas de fofoquinhas na hora do recreio, do sem fim de coisas a
fazer, em épocas sem tecnologia.
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2 comentários:
"Marcar e confiar" é uma das coisas que não deveriam mudar com a tecnologia...
Saudades disso... Na minha adolescência (ou pré-adolescência) estes "bailinhos" se chamavam "hi-fi". Mais moderninho o nome, mas com o mesmo esquema "escolar-cinema-clube-televisão". Havia mais gente encostada na parede e sem graça do que dançando juntinho. A hora mais legal era da dança coletiva mesmo. Cada um por si ao som da Legião: "Somos os filhos da revolução, somos foguetes sem religião, somos o futuro da nação... Geração Coca-Cola". O clima da minha casa, quando criança, era de filha de comunista. Só tinha homem barbudo, cigarro, livros e muito papo engajado. Daí me senti a própria "filha da revolução" e Renato Russo fazia muito sentido! Sem tecnologia a gente prestava mais atenção em tudo!! Desde as letras das músicas, até os acertos para uma festinha. A agenda social de um pré-adolescente nos anos 1980 era menos intensa e, por isso mesmo, marcavam tanto! A agonia começava no convite, passando pelo tenso momento de pedir a permissão dos pais, até a escolha da roupa e a entrada tímida. Mas depois que tocava Legião... Ahhh Tudo mudava! Adorei o texto! Bjs
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