12 de maio de 2014

Espetáculo nupcial

E aquela senhora, que jamais usara um vestido longo na vida, aos oitenta e tantos anos se viu às voltas com a obrigação de usar um, pois entraria na igreja levando as alianças do casamento da neta. Seria obrigada a fazer isso, pois a roupa de padrinhos, madrinhas, pais e assemelhados é estabelecida pela cerimonialista, em acordo com a noiva, e não se pensa na possibilidade de ‘desobedecer’ a tal ordem, pois soaria como desfeita ao convite tão honrado.

Nunca usou, não gosta, não se sente bem, não fica à vontade. Não importa. Tem que ser longo e pronto.  Aquela senhora, sem coragem para questionar, sequer consegue pensar no que fazer. E ainda recebeu um telefonema: “A senhora já pode nos dizer a cor do seu vestido? Preciso informar à cerimonialista.”. Aff!

E o casamento? O que é mesmo o casamento? Um evento; apenas um evento. Uma hora e meia de espetáculo, no qual atores principais, no altar, e coadjuvantes, na primeira fila, devidamente dirigidos, devem seguir à risca um roteiro. Nada pode sair do controle, ninguém pode ser... natural. Para quê? Pra ficar bem na foto, no filme. Pra mostrar certa harmonia estética com todos iguaizinhos frente ao altar.

“Você vai ter de deixar do tamanho em que está. Vestido de madrinha deve cobrir o pé.”. “Como assim? Não uso longo que cubra meu sapato!.”. “Sinto muito, mas no seu caso é assim que se usa.”. Aqui a madrinha era uma mulher mais jovem e mais ousada. Este tipo de convenção não a tolhe e, justamente pela obrigação imposta, não titubeou: customizou o vestido, transformando-o em um estiloso longuete, com a barra dividida em várias pontas franjadas. Um escândalo. Literalmente.

Sou da turma que não faz restrições às escolhas alheias; defendo a liberdade e a peculiaridade de cada ser. Vai entrar na igreja de vestido vermelho? Que máximo! O noivo vai usar all star? Sensacional. O casal combinou vestir rosa fúcsia? Ousado, hein? (Nem vou comentar sobre os casais que nunca põem os pés numa igreja, mas quando vão se casar querem porque querem que a cerimônia seja celebrada por um padre).

Não cabem recriminações às escolhas. A questão é: para participar do espetáculo, aquela senhora vai ter de se sentir mal, ficar incomodada, desconfortável. É possível compreender isso? É o que se espera das pessoas queridas, convidadas para testemunhar um momento tão importante?


“Meu vestido é lilás e preto”, disse uma amiga à cerimonialista, recentemente. “hum..., vamos tentar mudar isso? Não é permitido o preto nem em pequenos detalhes dos vestidos das madrinhas.”. Ah, tá.



Publicada originalmente no jornal Volta Cultural, edição de maio/2014
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