9 de julho de 2013

Surpresas na Flip 2013

Algumas surpresas boas, outras nem tanto. Como sempre digo, a Festa Literária Internacional de Paraty é uma excelente oportunidade de aprendizado e de reciclagem de ideias para quem trabalha com literatura e para os que estão a fim de manter sua informação atualizada.

A principal observação sobre as mesas de debates da programação principal é com a qualidade dos convidados. Diferente dos outros anos, a curadoria teve o cuidado de escolher não só autores badalados para falarem sobre seus livros em lançamento. Tivemos desta vez nomes de peso no meio acadêmico, que elevaram o nível dos debates e provocaram reflexão.

Nas mesas “Graciliano Ramos: ficha política” e “Graciliano Ramos: políticas da escrita”, as discussões foram tão bem preparadas, tão claras e tão esclarecedoras, que o público mal piscava. Nestes encontros, fomos colocados diante do biógrafo de Graciliano, Dênis de Moraes; do sociólogo, Sérgio Miceli; do brasilianista Randal Johnson, na primeira, e do professor de teoria da Literatura, Wander Melo Miranda; do filósofo Lourival Holanda; e do pesquisador Erwin Torralbo Gimenez, responsável pelo Arquivo Graciliano Ramos, da USP, na segunda. Com a mediação muito bem pontuada e bem humorada de José Luiz Passos, o resultado, nas duas, foi um “aaahhhhh”, quando anunciado o fim do papo. Penso que ficaríamos por ali mais algumas horas, sem cansar.

Outra delícia de conversa aconteceu na mesa entre a escritora Lila Azam Zanganeh e Francisco Bosco, poeta, letrista, filósofo e escritor. Com a mediação de Cassiano Elek Machado, o tema era “O prazer do texto”, mas prazer mesmo foi conhecer Lila, uma escritora de trinta e seis anos, que aos vinte e três já era professora em Harvard. Uma iraniana criada em Paris, que hoje mora nos Estados Unidos e escreve em inglês. Uma moça ousada que decidiu aprender o Português há seis meses e assumiu o desafio de participar da mesa sem necessidade de intérprete. E a atuação dela foi linda, justamente por sua humildade em falar, errar, pedir desculpas, se corrigir a todo momento com Cassiano, sem perder a graciosidade, muito menos a qualidade do conteúdo, sobre Vladimir Nabokov. Por sua vez, Francisco Bosco foi uma novidade. Doutor em teoria literária e conhecedor da obra e do pensamento de Roland Barthes, deu uma aula sobre textos de prazer e textos de gozo.

O documentarista Eduardo Coutinho foi a estrela do sábado. O bate-papo com ele, mediado por Eduardo Escorel, virou o assunto do dia. Aos 80 anos, Coutinho é um dos nomes mais significativos do cinema documentário mundial. Despojado, aparentemente indiferente à importância que normalmente se dá ao evento, foi sério e grave quando precisou ser, ao mesmo tempo em que provocou gargalhadas no público com suas ironias. Algumas falas anotadas de Coutinho:

           
“O quadro de comunicação no Brasil é um caos absoluto.”

“Eu não falei palavrão ainda; isso é uma grave autocensura.”

“Quem vem ao mundo tem mistérios.”

“Não acredito em Deus como todo mundo acredita (...) mas se estiver em um avião em turbulência peço ajuda para todos os santos.”

“Não entrevisto pessoas públicas - médicos, advogados, engenheiros, políticos – porque elas têm muito a perder; prefiro as pessoas simples. Pessoas simples não têm nada a perder.”

“Só converso com alguém com uma câmera na mão.”

E a melhor de todas, quando Escorel disse que a pergunta que faria vinha da FlipZona:

“FlipZona? O que é isso? É meretrício? (...) Ou é aquele povo excluído lá fora, proibido de entrar?”


A mesa Zé Kleber, que este ano teve Gilberto Gil e Marina de Mello e Souza discutindo o “Defeso Cultural” de Paraty, foi muito boa. O tema é necessário; é preciso mesmo arregaçar as mangas para buscar equilíbrio entre turismo, desenvolvimento e preservação, sem engessar a cultura local, mas evitando o capitalismo predatório. No entanto, poderia ter sido muito melhor se Gil fosse mais objetivo, falasse menos, deixasse a companheira de mesa se expressar mais e se o mediador Alexandre Pimentel interviesse neste sentido.

A diversidade de temas discutidos nas mesas foi um ponto alto na programação. Falou-se sobre literatura, arquitetura, política, filosofia, música, cinema. Foram incluídos três debates extras para tratar das manifestações populares, doze autores infantis foram a dezoito escolas de Paraty para conversar com alunos, três mil livros foram distribuídos a crianças da cidade, a FlipZona organizou dez oficinas.

Na sexta-feira, como se disse por lá, “quem viu, viu; quem não viu que morra de inveja”. Creio que não seja necessário detalhar o que foi a mesa “Lendo Pessoa a beira-mar”, com Maria Bethânia e Cleonice Berardinelli. Aos meus olhos foi a mesa mais concorrida de toda a Festa. Os ingressos para as Tendas dos Autores e do Telão esgotaram na primeira hora de venda. Na Tenda do Telão, onde a mesa é transmitida ao vivo, o espaço do lado de fora para quem assistia de pé era disputadíssimo. Muita gente, mas muita gente mesmo.

Ainda na sexta, logo após o espetáculo com Bethânia e Cleonice, tivemos mais uma boa dose de poesia com o show “Vinicius 100 – palavra e música”, na FlipMais . José Miguel Wisnik, Paula Morelenbaum e Arthur Nestrovsky nos levaram a uma viagem à música e poesia de Vinícius de Moraes. Com o talento musical, acadêmico e literário de Wisnik; do violão elegante de Nestrovsky; e da voz precisa de Paula, o público de dentro e de fora da tenda apreciou uma seleção de canções, alternadas por leituras de poemas e histórias sobre a vida do poeta, suas composições e parcerias. Momentos únicos na vida que a gente não quer que acabe nunca.

Excelente a ideia dos vídeos sobre Graciliano Ramos, exibidos antes do início de cada mesa. Foram gravados 16 depoimentos de pessoas que tivessem alguma relação com a obra do homenageado e entre os entrevistados estavam Luiz Costa Lima, Marcelino Freire, Alcides Villaça, Antônio Torres e Marçal Aquino. Lembranças e observações pessoais sobre Graciliano deixavam o ar intimista antes das mesas.

Foi memorável o encontro com nosso amigo escritor Bráulio Tavares. Ele participou da Flipinha, visitou e fez palestra numa escola que adota um dos livros dele e deu uma entrevista na casa do Instituto Moreira Salles, na Rádio Batuta e ainda teve tempo de bordejar com os amigos por Paraty. Na entrevista no IMS, em que o convidado fala sobre um escritor de preferência, Bráulio escolheu José Agripino de Paula, do qual comentou e leu trechos das obras “O lugar público” e “Panamérica”. A entrevista completa está disponível em www.ims.com.br/radiobatuta

O arroz de festa desta edição foi Milton Hatoum. Ele fez a conferência de abertura “Graciliano Ramos: aspereza do mundo e concisão da linguagem”, também participou da programação da casa do Instituto Moreira Salles e de outros eventos durante a Festa. Mas entre uma coisa e outra pode ser visto circulando pelas ruas de Paraty, todos os dias, bastante à vontade.

A organização acertou em cheio com as mesas extras que discutiram as manifestações populares no Brasil. Numa Flip em que o homenageado foi Graciliano Ramos, teve tudo a ver.

O nível dos mediadores melhorou sensivelmente. Destaque para José Luiz Passos, que mediou as duas mesas sobre Graciliano Ramos, na sexta e no domingo.


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O show de abertura na quarta à noite, com Gilberto Gil, foi mesmo maravilhoso. Pra quem estava dentro da Tenda, somente. Não sei até agora porque a organização da Flip direcionou todo o som para privilegiar o público que comprou ingressos, deixando perplexos e duplamente frustrados os que tiveram que ver de fora. Disse duplamente porque quem assiste aos shows do lado de fora da tenda gostariam muito de estar lá dentro, mas não têm acesso aos ingressos por motivos vários. Se a tenda é aberta, não é justo que toda aquela multidão não tenha direito a ver, mesmo de longe, e ouvir. O próprio Gil tentou, no início da apresentação, fazer algo por aquele povo todo que gritava pedindo para aumentar o som. Em vão. Essa foi a primeira surpresa negativa na Flip este ano. 

Apesar de os ingressos para o show terem se esgotado nos primeiros trinta minutos após a abertura das vendas, era possível ver muitos lugares vagos no interior da tenda. Lamentável o que se viu. Parece que houve reservas para organizadores, autores, parentes e apaniguados e muitos resolveram não dar as caras. E lá fora, com certeza, havia muita gente que tentou comprar ingresso, não conseguiu e apenas viu Gilberto Gil, sem conseguir escutar nadinha do show.

A segunda surpresa negativa foi com os banheiros. Queda lamentável em relação à qualidade do ano passado. Nem é preciso entrar em detalhes; basta dizer que foram instalados banheiros químicos comuns, com aquele aroma característico, vasos sanitários desenhados para mulheres de dois metros de altura, enfim, se oferece o melhor uma vez, deixar a peteca cair depois é muito feio. Argh!

Observei que algo provocou uma mudança notável na configuração geral do espaço da Flip este ano e me pareceu ser um encurtamento da verba. Além da questão dos banheiros, as tendas estavam feias e não teve loja; os artigos que eram vendidos na lojinha da Flip ocuparam um balcão minúsculo dentro da livraria, sem a variedade de sempre. O caderno tipo Moleskine grande e de excelente qualidade vendido nos outros anos, virou um caderninho de notas bem fuleirinho, oferecido ao mesmo preço do anterior. Escorchante.

A tradução simultânea na Tenda do Telão não esteve lá essas coisas, como sempre. Na mesa “A vida moderna em Kafka e Baudelaire”, sexta à tarde, vi muita gente sair antes da primeira meia hora de discussão. Além dos participantes não empolgarem e do antipático mediador não ajudar muito, a tradução simultânea da fala do italiano Roberto Calasso era arrastada, sonolenta...

Com exceção do sábado, quando a Festa recebe seu maior número de visitantes e a estrutura geral fica quase inviável, notou-se certo esvaziamento, observado também por comerciantes locais.


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Como em todas as edições, os organizadores se encontram com a imprensa no domingo, após o fim da programação, para uma avaliação geral. Eles calculam o público visitante entre 20 e 25 mil pessoas nos cinco dias de Festa, o que muitos olhos discordaram.

No ano que vem a Flip vai acontecer em agosto, por causa da Copa do Mundo e já há nomes levantados para o processo de escolha do homenageado: Rubem Braga, Mário de Andrade e Lima Barreto.


Já estou na torcida por Rubem Braga, é claro!
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Um comentário:

Carlos Medeiros disse...

Um dia conhecerei a Flip. Parece bom. Bom domingo.