6 de maio de 2013

Saindo da caixa


Toda a minha vida começou a ser encaixotada há cerca de um mês, quando acertei a data da mudança. Dali para a frente, minha identidade foi sendo embrulhada, empilhada, ensacada, enrolada, dobrada, guardada, transportada. A casa foi ficando vazia e, de repente já não morava mais; apenas estava. Enquanto isso, o que era eu ou o que me representava ia embora, para onde eu ainda não residia; estava apenas indo.

Por dias permaneci assim, nem lá nem cá, sem casa, sem um lugar pra chamar de meu. Ainda não saíra de uma, no entanto não chegara à outra. Fiquei no meio do caminho, encaixotada também.

Tampa do computador baixada, sem TV, sem internet. Mais de três semanas sem tempo e sem cabeça para escrever. Um monte de ideias anotadas nos diversos caderninhos, palavras corridas, rabiscadas quase sem enxergar, entre listas de afazeres e tarefas a cumprir.

Pedreiro, pintor, eletricista, marceneiro, supermercado, vai ali, volta aqui, bate pé na rua a tarde toda, compra isso, procura aquilo, agenda hora com esse, agenda hora com aquele.
No meio deste estar em lugar nenhum, uma Bienal do Livro na minha cidade e aula num fim de semana inteiro.

Agora, enfim, depois de quinze dias, já posso ver a luz do dia ali em cima, do lado de fora da caixa de papelão. Meio tímida ainda, coloco a cabeça pra fora, balanço os cabelos, olho para um lado, para o outro, bato a poeira devagar, ajeito a roupa, espreguiço, estico a coluna cansada, respiro profundamente. Com calma vejo a casa, as coisas, olho demoradamente cada detalhe.

Estou morando. Encontrei meu lugar, posso me encontrar também. A identidade vai se construindo aos poucos, ao passo que descubro a mim nestas novas paredes que me abrigam. Os bichos, nossa maior preocupação, se adaptaram mais rápido. Gente tem consciência, que pena, precisa de mais tempo para se sentir vivo e adequado a um novo lar.
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