Toda a minha vida começou a ser encaixotada há cerca de
um mês, quando acertei a data da mudança. Dali para a frente, minha identidade
foi sendo embrulhada, empilhada, ensacada, enrolada, dobrada, guardada,
transportada. A casa foi ficando vazia e, de repente já não morava mais; apenas
estava. Enquanto isso, o que era eu ou o que me representava ia embora, para
onde eu ainda não residia; estava apenas indo.
Por dias permaneci assim, nem lá nem cá, sem casa, sem um
lugar pra chamar de meu. Ainda não saíra de uma, no entanto não chegara à outra.
Fiquei no meio do caminho, encaixotada também.
Tampa do computador baixada, sem TV, sem internet. Mais
de três semanas sem tempo e sem cabeça para escrever. Um monte de ideias
anotadas nos diversos caderninhos, palavras corridas, rabiscadas quase sem
enxergar, entre listas de afazeres e tarefas a cumprir.
Pedreiro, pintor, eletricista, marceneiro, supermercado, vai
ali, volta aqui, bate pé na rua a tarde toda, compra isso, procura aquilo, agenda
hora com esse, agenda hora com aquele.
No meio deste estar em lugar nenhum, uma Bienal do Livro
na minha cidade e aula num fim de semana inteiro.
Agora, enfim, depois de quinze dias, já posso ver a luz
do dia ali em cima, do lado de fora da caixa de papelão. Meio tímida ainda, coloco
a cabeça pra fora, balanço os cabelos, olho para um lado, para o outro, bato a
poeira devagar, ajeito a roupa, espreguiço, estico a coluna cansada, respiro
profundamente. Com calma vejo a casa, as coisas, olho demoradamente cada
detalhe.
Estou morando. Encontrei meu lugar, posso me encontrar
também. A identidade vai se construindo aos poucos, ao passo que descubro a mim
nestas novas paredes que me abrigam. Os bichos, nossa maior preocupação, se
adaptaram mais rápido. Gente tem consciência, que pena, precisa de mais tempo
para se sentir vivo e adequado a um novo lar.
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