Quando morri por alguns instantes, meus olhos, antes
cerrados pelo sono temporariamente eterno, abriram-se, e arregalados
defrontaram o inusitado que poderia ser a morte.
Nos poucos minutos em que morri, vi a vida se abrir na
escuridão e o torpor do corpo se tornar liberdade. E a massa de ossos e
músculos e gordura e pele ficaram ali, no momento de morte, enquanto a vida,
liberta, me ofertava ar, brisa, em clara
escuridão.
Quando morri foi tempo efêmero; vivi a outra vida
intensamente, como num passe de mágica que me levasse para dentro de um filme
em cores, um Xanadu inconsciente, porém silencioso, e dinâmico, veloz, feroz.
Morri muitas vezes e em todas elas foi surpresa. Acordei em
outro tempo e descortinei um lugar que não era meu, mas era eu, uma outra eu,
de nada de mim, e sabia de mim. Sabia onde estava e no entanto estranhava,
reconhecia detalhes e não me lembrava deles, era íntima de pessoas que jamais
vira. No momento de morte, de vida que vem da morte, vive-se. E o instante é
puro, o sentimento é grande, os pulmões parecem gigantes, tanto ar recebem. O
infinito parece ainda maior.
Morro vivendo; vivo morrendo. Faz parte do dia morrer às
vezes. Depende do instante em que a morte chega, pra me adormecer e me levar de
volta à vida, àquela vida. Real.
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