18 de março de 2013

Bananeira, maçarico, animal e minhoquinha


O cara é do Bope e está prestes a viajar para um treinamento pesado fora do Brasil, no meio da floresta. Atende à curiosidade natural dos amigos e relata o que vai fazer por lá. Como se diz, a parada é guerreira; ele vai ralar muito, como ralou para ingressar na corporação de elite da PM do Rio.

- Será que vou voltar magrinho de lá? -, perguntou aos amigos.

- Que nada, vai chegar aqui mais ‘musculozão’ do que já é -, respondeu uma das mulheres. Ao que ele emendou:

- Aí, meninas, vou vir de lá, ó, fortão. Já viu, né?.

A questão ficou uns segundos no ar, até que uma delas inquiriu:

- Pode explicar o que quis dizer com “Já viu, né?”.

Gargalhada geral, até que outro amigo interveio:

- Ele quer dizer que vai voltar cheio de disposição, fortão e tal, depois de quatro meses no meio do mato sem ninguém, carente... você entende.

A outra, que até então só ria, atacou:

- Nunca ouviu falar de buraco na bananeira? É, isso mesmo, nunca morou na roça, não sabe como faz. Buraco na bananeira é um meio viscoso, iihhhh, resolve problema de muita gente. Faz o seguinte, leva um maçarico...

Não conseguiu mais falar. A sala veio abaixo.

- Querido amigo - retomou a outra – que tal perguntar ‘já viu, né?’ pra sua mulher?

- Pois é, pois é, ela já me avisou várias vezes: ‘quero que você volte de lá o animal de sempre que tenho aqui. Se chegar com uma minhoquinha magrinha, não quero saber!’.

- Aê, animaaaaaaaaaaaal!

E entre as gargalhadas e engasgos de quem acompanhava a conversa, entra o professor e o papo é interrompido.

É, minha gente, a conversa rolou numa sala de aula, durante um rápido intervalo, e ficou conhecida pelas palavras-chave: bananeira, maçarico, animal e minhoquinha, quando lembrada no restante do dia.

Risadas à parte, pensei depois no quanto mistificamos e padronizamos pessoas, a partir da imagem profissional que é construída para elas por meio da mídia. O que sabemos do Bope é o que vimos na TV e no cinema. O que as comunidades faveladas do Rio conhecem do Bope é o que veem e vivem no dia a dia da violência por lá. E o que esta turma conhece é um cara simples, inteligente, engraçado, que ao mesmo tempo em que se mostra deste jeito aos amigos, sabe muito bem relatar seu outro lado, quando em serviço, sem o menor constrangimento.

O ser humano tem perfis diferentes; não pode e não consegue, todo o tempo, ser apenas bom ou mau, gentil ou agressivo, humilde ou arrogante, sereno ou violento. Com raríssimas exceções, as pessoas desenvolvem comportamentos diversos para os ambientes e situações diversas que têm de viver. Não dá para saber, à distância, como é o trabalho do cara quando sobre o morro ‘atrás do meliante’. Não dá pra defender ou acusar o profissional por isso ou aquilo; estou muito longe daquela realidade. Há informações que nos chegam de comunidades que aplaudem as ações e de outras que não querem a presença da corporação por perto. Enfim, lados e lados.

Da mesma forma que desenvolvi o hábito de observar pessoas, penso também no que vai no íntimo delas, como pensam, o que podem estar sentindo, como reagem quando estão sozinhas, seus sofrimentos, suas angústias. E conhecer o outro tem mais este lado bom; é o acesso direto ao que antes estava somente no campo da imaginação. Ou da mistificação.  
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