O cara é do Bope e está prestes a viajar para um
treinamento pesado fora do Brasil, no meio da floresta. Atende à curiosidade
natural dos amigos e relata o que vai fazer por lá. Como se diz, a parada é
guerreira; ele vai ralar muito, como ralou para ingressar na corporação de
elite da PM do Rio.
- Será que vou voltar magrinho de lá? -, perguntou aos
amigos.
- Que nada, vai chegar aqui mais ‘musculozão’ do que já é
-, respondeu uma das mulheres. Ao que ele emendou:
- Aí, meninas, vou vir de lá, ó, fortão. Já viu, né?.
A questão ficou uns segundos no ar, até que uma delas
inquiriu:
- Pode explicar o que quis dizer com “Já viu, né?”.
Gargalhada geral, até que outro amigo interveio:
- Ele quer dizer que vai voltar cheio de disposição,
fortão e tal, depois de quatro meses no meio do mato sem ninguém, carente...
você entende.
A outra, que até então só ria, atacou:
- Nunca ouviu falar de buraco na bananeira? É, isso
mesmo, nunca morou na roça, não sabe como faz. Buraco na bananeira é um meio
viscoso, iihhhh, resolve problema de muita gente. Faz o seguinte, leva um
maçarico...
Não conseguiu mais falar. A sala veio abaixo.
- Querido amigo - retomou a outra – que tal perguntar ‘já
viu, né?’ pra sua mulher?
- Pois é, pois é, ela já me avisou várias vezes: ‘quero
que você volte de lá o animal de sempre que tenho aqui. Se chegar com uma
minhoquinha magrinha, não quero saber!’.
- Aê, animaaaaaaaaaaaal!
E entre as gargalhadas e engasgos de quem acompanhava a
conversa, entra o professor e o papo é interrompido.
É, minha gente, a conversa rolou numa sala de aula,
durante um rápido intervalo, e ficou conhecida pelas palavras-chave: bananeira,
maçarico, animal e minhoquinha, quando lembrada no restante do dia.
Risadas à parte, pensei depois no quanto mistificamos e
padronizamos pessoas, a partir da imagem profissional que é construída para
elas por meio da mídia. O que sabemos do Bope é o que vimos na TV e no cinema.
O que as comunidades faveladas do Rio conhecem do Bope é o que veem e vivem no
dia a dia da violência por lá. E o que esta turma conhece é um cara simples,
inteligente, engraçado, que ao mesmo tempo em que se mostra deste jeito aos
amigos, sabe muito bem relatar seu outro lado, quando em serviço, sem o menor
constrangimento.
O ser humano tem perfis diferentes; não pode e não
consegue, todo o tempo, ser apenas bom ou mau, gentil ou agressivo, humilde ou
arrogante, sereno ou violento. Com raríssimas exceções, as pessoas desenvolvem
comportamentos diversos para os ambientes e situações diversas que têm de
viver. Não dá para saber, à distância, como é o trabalho do cara quando sobre o
morro ‘atrás do meliante’. Não dá pra defender ou acusar o profissional por
isso ou aquilo; estou muito longe daquela realidade. Há informações que nos
chegam de comunidades que aplaudem as ações e de outras que não querem a
presença da corporação por perto. Enfim, lados e lados.
Da mesma forma que desenvolvi o hábito de observar pessoas,
penso também no que vai no íntimo delas, como pensam, o que podem estar
sentindo, como reagem quando estão sozinhas, seus sofrimentos, suas angústias.
E conhecer o outro tem mais este lado bom; é o acesso direto ao que antes
estava somente no campo da imaginação. Ou da mistificação.
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