3 de junho de 2011

Fui pega no povo-fala

Distraída na calçada, correndo como sempre, atrasada para a sessão de terapia, eis que a repórter Kênia Pinheiro, da TV Rio Sul, me para: “Boa tarde. Você pode falar um pouquinho com a gente?”. Dentro da cabeça o motorzinho da memória não me permitiu dizer “Agora não; tô com pressa”. Quantas e quantas vezes era eu ali, naquela condição de pedinte, implorando para que as pessoas topassem me conceder uma entrevistinha rápida? “Sim, claro, pois não”.

E pela primeira vez, em mais de 20 anos de profissão, senti o que é ser pega de surpresa com uma pergunta cacete, que precisa ser respondida no ato, sem direito a raciocínio, com uma câmera ligada na cara e um par de olhos insistentes esperando que a entrevistada abra a boca pra falar qualquer coisa. Mas eu não posso falar qualquer coisa, pensei, e os segundos passando. Sem solução, brinquei “você me apertou sem me abraçar”. E ela repetiu a pergunta. Ah, que bom, mais alguns segundinhos para formular uma resposta curta, inteligente, convincente e compreensível.

O motivo de tanta dificuldade? Sou jornalista e com experiência em TV. Perfeccionista irritante, quis responder algo que facilitasse o trabalho da repórter e do editor, mas tal ânsia só me encrencou ainda mais. Claro, a repórter era ela; eu estava ali só pra responder. E por conta da minha hesitação, Kênia precisou reiterar a pergunta outras duas vezes, até que, juntas, chegássemos a uma resposta, digamos, mais redonda (bom, penso que chegamos). No final, a identificação: “Pode falar seu nome completo, por favor?”. E eu, rindo, envergonhada pela resposta ridícula que dei, “Giovana Damaceno”. Pronto, sabe aquele desejo que o chão se abra? A gente sente de verdade. “Você é a famosa Giovana Damaceno?”. Argh!, sou. E aí, com a câmera desligada, expliquei que não acreditava no que me perguntara; por isso a breve confusão.

Foi isso, também. Disse que a pergunta era cacete, porque a repórter queria saber qual a minha opinião sobre um projeto da Câmara Municipal de produzir um catálogo para que a população conhecesse suas leis. E pra mim não é tão simples apenas emitir uma resposta do tipo: “Legal, isso é importante”, simplesmente porque não é somente legal, nem somente importante, ou nem é coisa alguma, dependendo do ponto de vista. E então? Como formular a tal resposta redondinha, que é o que o repórter espera quando sai para fazer um povo-fala?

“Apenas mostrar que as leis existem não basta”. Foi mais ou menos isso o que editaram da minha resposta na matéria exibida ontem, no RJ 1ª Edição. Criar lei é muito fácil. Elas saem aos borbotões das cabeças de legisladores de todo tipo, de bom ou mau caráter. São leis úteis, inúteis, favorecedoras de interesses particulares... motivações não faltam. Mas, e como fazer que elas sejam cumpridas? Esta é uma das principais falhas que ocorrem no momento em que um projeto de lei passa pela mente de um vereador ou deputado. Como é que vai se fazer cumprir? E se não for cumprida, como é que o povo cobra?

Voltamos, portanto, ao meu momento de aperto sem abraço: não posso simplesmente responder o que penso assim, de supetão. Os vereadores querem mostrar um catálogo de leis ao povo pra quê? Querem nos convencer de quê? Enganar a quem? Onde está o objetivo educativo desta proposta? Isso interessa exatamente a quem? São muitas as perguntas a responder. E o pobre entrevistado é pego no laço para opinar.

O motorzinho da memória é novamente acionado. Quanta maldade eu fiz com um monte de gente nas ruas quando fui repórter de tv...Fiz muitas pessoas passarem sufoco diante de mim, obrigadas a dar resposta rápida e rasteira aos mais diversos assuntos.  Nós, repórteres, com o microfone à mão, pensamos que tudo é fácil, mas não é. Tanto não é que até agora estou tentando formular a resposta ideal e ainda não consegui.
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9 comentários:

Anônimo disse...

Olá querida Giovana; Graça e Paz.
Parabéns pelo blog, fiquei feliz em encontrar mais um espaço bacana.
Gostaríamos de compartilhar com você; os nossos blogs. Mensagem Edificante para Alma e Iec@blog. Faça-nos uma visita, ficaremos muito feliz por nos visitar e mais ainda se nos seguir-nos.
Deus te abençoe ricamente
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Josiel Dias
Rio de Janeiro

Calino disse...

Oi Gigi,
bem feito! Me fez lembrar quando você foi "cobrir" um acidente na Rod. Pres. Dutra (o caminhão de galinhas capotado)é você fez o cinegrafista registrar o crachá com o nome do policial rodoviário: Granja.
Calino.

Anônimo disse...

Olaaaa,

Saudade de conversar pessoalmente com vc.

Concordo contigo sobre estar do outro lado... ter a resposta pronta de acordo com o que precisa ser editado... pior que isso é a repercussão da nossa resposta para quem nos conhece... E quando amigos dizem: Olha, ta ficando famosa... dando entrevista... falou bem!!! Passei por isso semana retrasada... grrrrrrr

Adorei seu texto, como sempre!!!!

bjosss
Leslie

Dídimo Gusmão disse...

Tá vendo ... repórter também tem o seu dia de povo-fala.
Viu só, como é difícil ser pego desprevenido no meio da rua por um repórter empunhando o microfone como se fosse uma arma mortal. Rsrs...

Cássia Coli disse...

Tia, tenho passado por isso diversas vezes por conta do meu serviço. Muitas delas pela própria Kênia Pinheiro. E te digo, toda vez que tenho que conceder uma entrevista engasgo e fico encabulada... É o tipo de coisa que não dá pra se acostumar.... rsrs.
Ah, gostei da foto antiga!!!
Bjos!!!

Carol Cunha disse...

EU TE VI!!!! E se queres saber minha opinião sobre sua resposta, a achei redondassa!! Em três frases sintetizou tudo o que vc certamente gostaria de dizer com mais calma. Foi critica e direta!! Gostei!!!

Jader Moraes disse...

Já fugi de algumas entrevistas, confesso. Também me sinto muito mais a vontade "do outro lado". rs

Texto brilhante, Giovana. Delicioso mais uma vez!

Albucacys disse...

Oi Giovana,

Passar por situações inversas é extremamente enriquecedor. Felizmente você teve essa oportunidade e, ao que parece, como sempre, saiu-se muito bem.
Aprendi que devemos estar preparados para o testemunho de nossas crenças, opiniões, caráter. Para a chamada hora "H", no dia "D", que nunca sabemos quando será.
Agradeço a oportunidade de compartilhar de mais uma de suas experiências.

Frávia, a dona do brog disse...

Tentei comentar da outra vez que li o texto, mas minha internet não me permitiu. Hoje, finalmente...
Pra dizer que me lembro de você assim, como nesta foto. Lá nos primórdios da TV...
Estaria eu ficando velha? Ou você? rsrsrs