Dos muitos e tantos livros que li, poucos combinaram tão bem a história com o título. Falo de “A Arte de Perder”, de Michael Sledge, lançado no Brasil pela editora Leya. A narrativa é sobre a permanência da poetisa Elizabeth Bishop no Brasil, entre 1951 e 1967, tempo que durou seu romance com Lota de Macedo Soares, criadora do Parque do Flamengo, o Aterro, no Rio de Janeiro. Uma rica história de amor recheada de muita poesia, encontro com a natureza, arquitetura, política, arte, preconceito, desencanto, dor, loucura.
Sledge mergulhou fundo na vida de Bishop, que veio dos Estados Unidos com o objetivo de passar apenas duas semanas e seguir para a Europa, mas acabou ficando 17 anos. O autor pesquisou livros, revistas, leu duas biografias de Carlos Lacerda, amigo pessoal de Lota, mas sua maior inspiração foram as cartas que Elizabeth Bishop escreveu no período em que esteve no Brasil.
No livro, Sledge nos mostra as dificuldades de criação poética de Bishop, o alcoolismo, a insegurança, o amor incondicional por Lota, sua acidez e crítica azeda ao Brasil e ao movimento político da época. Pérolas como esta podem ser encontradas em toda a obra: “No Brasil, a comédia e o terror nunca estão muito separados. Ainda não estou certa se isso é a perdição deste país ou se será sua salvação”. Mas ela nunca deixou de frisar o encanto que a mantinha aqui, além de Lota, claro.
A casa onde morava, em Samambaia, perto de Petrópolis, no Rio, projetada pelo arquiteto Sérgio Bernardes, a pedido de Lota, foi uma criação pioneira, integrada à natureza, toda de vidro, com espaços abertos à circulação de aves e pequenos animais. Era lá que Bishop tinha seu próprio estúdio, idealizado por Lota, fora do projeto original, para que escrevesse em paz.
O envolvimento das duas mulheres durou todo o tempo em que Bishop morou no Brasil, mas o romance foi irremediavelmente atingido pela dedicação exclusiva de Lota às obras de criação do Parque do Flamengo. Ela precisou lutar bravamente contra o preconceito de toda uma equipe masculina sob seu comando, além de enfrentar os percalços políticos daquele período, ao lado de Carlos Lacerda, então governador do Estado da Guanabara.
Para entender este amor, por Lota e pelo Brasil, e ir um pouco mais fundo na poesia de Bishop, é preciso ler “A Arte de Perder”. O título, que combina tão perfeitamente com a história, foi extraído do primeiro verso de um de seus poemas mais conhecidos: On Art, traduzido como Uma Arte. Quem leu ou ainda vai ler o livro, com certeza pode compreendê-lo.
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Uma Arte
Elizabeth Bishop
(Tradução de Paulo Henriques Britto)
A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subsequente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
- Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério.
3 comentários:
Deve ser mesmo uma leitura fascinante!!
Uau,
Obrigada pelo super presente!
Com certeza as duas irão me acompanhar durante os 15 dias fora.
bjosssss
Leslie
Obrigado pelo belíssimo texto.
O livro parece ser muito interessante.
Gosto muito de ler o que você escreve.
Abraços!!
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