16 de fevereiro de 2017

Tem um homem pelado lá dentro

Chego para a minha aula de pilates, junto com a fisioterapeuta, já colocando o papo em dia, quando o rapaz do lado de lá da grade alerta:

- Ih, vocês não vão poder entrar, não!

A chave nem chegou a girar na tranca do portão.

- O que houve?

- O cara tá apagado, bebeu muito. E tá pelado.

 - Pelado?!

Sim. Havia um homem lá dentro, dormindo. Na verdade, desmaiado de bêbado. É proprietário do imóvel onde funcionava o estúdio. Deve ter chegado arriado, bufando de calor, entrou direto, sem pensar (de que jeito?) tomou uma chuveirada e desabou na cama do aparelho de exercícios. Sem roupas.

O moço, constrangido, ainda insistiu. Aguardamos.

 - Chamei, cutuquei, mexi nas pernas. Ele não acorda, não.

- Como é que a gente faz?

- Não faz. Ele não vai sair.

A solução oferecida pela fisioterapeuta foi fazer a aula de pilates na minha casa, proposta imediatamente aceita. Não faltou nenhum dos sentimentos normais diante de um cenário tão esdrúxulo: espanto, raiva pela falta de respeito e pela total desconsideração com a pessoa que utiliza e paga pelo espaço, frustração.

Aula feita, passo a repensar sobre o episódio. Conheço o sujeito que dormia no estúdio. Mora nos fundos e está sempre por perto, perambulando aqui e ali. Um tipo grandão, corpulento, bem alto. Fala grosso, mas nunca nos destratou. É desleixado, sujo. Além de beber, fuma muito e por isso cheira mal. Respira tão ofegante, que a gente ouve à distância. Jamais demonstrou respeito com o local de trabalho dos outros. Entrava e saía quando bem entendia, com ou sem alunos em atividade. Minha fisioterapeuta já reclamara sobre essas liberdades. Deu em nada.

As pessoas da família parecem imperturbáveis. Que se dane o cara e também se danem a profissional e seus alunos. O rapaz que nos atendeu chamou duas vezes e, sem sucesso, simplesmente disse “Ele não vai sair”, com uma expressão de que estava tudo bem. Ou seja, f-se.

Voltando ao meu repensar: acabei rindo da situação. Imaginei aquele tipo grosseirão pelado, dormindo a altos roncos, babando, totalmente à mercê do álcool correndo nas veias, em plena cama de exercícios. O que me restou foi dar muita risada pelo inusitado da coisa.

Desplante à parte, não voltamos mais. O fim já estava próximo e, suponho, o caso do homem pelado foi a gota d’água, ou melhor, de álcool.
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