Fui convidada para compor a comissão julgadora de um
desfile. Não de mulheres e homens lindos, jovens e sarados, candidatas à beleza
disso ou daquilo, mas um desfile de idosos. Aceitei de bom grado. O evento
reuniria internos das instituições da minha cidade, uma ação para elevar a
autoestima, integrá-los, socializá-los. Era perto da minha casa e o convite
veio da Bruna, pessoa que merece meu respeito, pelo trabalho que desenvolve com
essas pessoas.
Confesso: não estava preparada para o que iria
assistir. Não pensei, não avaliei, não imaginei nada antes de chegar ao local
do encontro. Apenas cheguei. E da porta do salão, vi descerem das vans a
vontade de ser, de estar, de desejar, de fazer. Caminhando devagar, ajudados
por cuidadores ou apoiados em andadores, lá estavam o futuro de muitos de nós.
Não foi choque, tristeza ou pena. Foi constatação do
que poderá vir a ser pra mim e pra tantos outros. A cada um que subia os
degraus, pensava em alguém que conheço, na sua vez de ficar velho; via-me na
minha vez. E questões de todas as grandezas pululavam na cabeça: como será
comigo? Vou andar de muletas, de andador? Estarei saudável até quando? Perderei
minha lucidez? Serei uma velhinha supimpa ou melancólica? Serei desejante?
A plateia foi se acomodando, enquanto os
concorrentes aguardavam no fundo do salão. Os homens de um lado, silenciosos, e
as mulheres entregues aos cuidados de uma equipe de maquiadoras, manicures e
cabeleireiras. Era nítida a expectativa. Por outro lado estavam confiantes,
prontas para enfrentar os olhos da comissão julgadora. Quem concebe tal
cenário?
Quando falamos em idosos que vivem em asilos, logo
pensamos em velhos doentes, decrépitos, abandonados pela vida, terminando seus
dias na companhia amarga da solidão a que foram entregues. Digamos que não seja
assim, invariavelmente. Há meios de fazer diferente, não que seja fácil, no
entanto é possível. Fiz uma palestra
anos atrás no Residencial Vila do Sol, e saí de lá surpresa
e grata pelo que vi e experienciei com os hóspedes (como são chamados). Não são
tratados como velhos inúteis, ao contrário, o objetivo das equipes é fazer com
que se sintam em casa, de verdade. Podiam levar móveis e objetos de valor (uma
senhora levou o piano!), um deles saía sozinho para ir ao mercado, padaria,
farmácia... Havia festas, música, dança. Notei que eles desejavam e desejar é
viver.
Um amigo se compadeceu daquelas pessoas presentes no
evento. Cá com meus cachos tentei compreender. Estar num asilo nem sempre quer
dizer que está abandonado. Há, sim, muita maldade humana envolvida, contudo há
casos de precariedade tão descomunal, que a única solução para a família é
internar seu idoso, pois somente desse modo pode ser bem assistido. Há ainda pais,
mães, maridos despóticos que ganham em troca esse destino na velhice (ou são
ignorados dentro de casa mesmo. Ou, ainda, exaurem seus companheiros e
companheiras cuidadores e a saúde de todos é comprometida. Assisti a uma cena
que retrata esse tipo de relação e relatei
numa crônica um tempo atrás). Não se deve julgar.
E então eles desfilaram! Entravam pelo fundo do
salão e percorriam o tapete vermelho, em direção à mesa da comissão julgadora.
Uns tímidos, outros sorridentes, dançando, no andador (!), porém afirmando suas
potências. Queixos erguidos, altivos, se apresentavam aos jurados e retornavam,
ovacionados por amigos na plateia. E nós ali na mesa, meio abobalhados. Saí do
chão várias vezes, a ponto de me perder e não ouvir o nome do próximo a
desfilar. Era uma história inteira que se criava na minha mente, quando viravam
as costas e retomavam o percurso de volta.
Não me satisfaço com definição alguma para a
velhice, como também não tenho a minha. Encarada como o fim, poderia ser um
recomeço. Por que não? Os desejos reprimidos são liberados (permitidos pela
mesma sociedade que os reprimiu), há uma liberdade indizível e uma sabedoria
que não chegam a alcançar o nível consciente. Mas estão ali: no sorriso, no
brilho e na profundidade do olhar, na gratidão.
Esfregam na nossa cara que se chegarmos lá, o barco
será o mesmo para os bonzinhos, os canalhas, os caridosos, os egoístas, os
ricos, os pobres. Escancaram a realidade de que se tenta escapar com estratégias
inúteis. E sorriem.
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Um comentário:
Só quero sentar próximo ao portão de casa e ficar falando "oooopa!" pra tudo mundo que passar.
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