29 de janeiro de 2014

Assim pensa e caminha a humanidade

São pessoas consideradas parte da sociedade invisível. Porteiros, faxineiros, jardineiros, serviçais que levam e trazem café e água, garis, motoristas, cobradores... Em seus uniformes, são ocultados dos olhos gerais, vestidos todos da mesma cor, a cor daquele pessoal que trabalha lá fora. Lá, bem apartado da minha vidinha medíocre.

Tenho um vício: faço questão de cumprimentar todas essas pessoas e com meu bom humor de sempre, o mesmo bom humor capaz de irritar a quem acorda de manhã arrependido por ter nascido. No ônibus, principalmente quando estou no Rio, motorista e cobrador ficam com caras de paspalhos ao ouvirem meu sonoro “Bom dia!”, em pleno sábado ou domingo, às sete da manhã. É hilário.

Onde trabalho, desde que entro na portaria principal até chegar a minha sala, passo cantando bom dia pra todo mundo. Contentes pelo destaque dado por alguém que veem com tanta distância, ao me enxergarem ao longe já abrem um sorrisão. Isso é muito gratificante, embora não espere nada em troca. É mesmo um vício.

Não creio que estes seres humanos, que executam uma atividade apenas diferente da minha, existam para me servir. Certo dia, estava no banheiro com uma colega, quando terminei de enxugar a mão e errei a mira da lata de lixo. Abaixei para pegar o papel e ouvi o despautério: “Que é isso, menina! Deixa aí que a moça da limpeza pega depois!”. E assim pensa e caminha a humanidade.

Tanto conversê é por causa do Roberto. Eu o chamava de rruberrrto quando passava pela recepção do prédio. Estava sempre lá, quietinho, sentado atrás da mesa. Entra um, sai outro, bom dia, boa tarde. Via as caras feias, os risos, ouvia e assistia às grosserias de muitos, era invisível para tantos outros – simplesmente o porteiro. Eu e ele, ele comigo éramos sorridentes. Bastava transpor a porta de vidro e ele me dirigia aqueles olhos vivos e aguardava o meu “rrruberrrtooo, como vai você?”. Quando passava de carro e ele estava do lado de fora, abria a janela e gritava “oi, rrruberrrtoooo!”.

Pois é. O Roberto não está mais ali – pra mim, ali, tão perto, não lá. E ao saber que não estaria nunca mais, tentei lembrar a última vez em que passara por ele, naquela recepção.  Por mais que tenha certeza de nunca tê-lo destratado, ou ignorado, preocupei-me que ele tivesse partido com uma boa recordação de nossos olhares e sorrisos, dos nossos curtos, porém significativos momentos de diversão ao nos encontrar. Vai custar a passar o ímpeto de abrir a janela do carro, esperando vê-lo diante do meu carro, quando chego de manhã.

E fico aqui matutando: “imagino a galera que faz questão de manter ‘distância segura’ desta classe invisível e que lê esta crônica, o que pensam? Só mesmo a Giovana pra dar importância a isso. Demagogia. Hipocrisia. Fake. Que nada, fazendo textinho pra agradar.”. Já ouvi exatamente isso em outras ocasiões, sobre outras pessoas, em situações semelhantes. Justamente as mesmas falas do povo do ‘deixa essa gente pra lá’, da classe da colega que diz “isso é obrigação da faxineira”. Daquele outro que, “pra não me incomodar”, dizia que eu não estava, quando o jardineiro, meu amigo de infância, procurava por mim.
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