Tenho um vício: faço questão de cumprimentar todas essas
pessoas e com meu bom humor de sempre, o mesmo bom humor capaz de irritar a quem
acorda de manhã arrependido por ter nascido. No ônibus, principalmente quando
estou no Rio, motorista e cobrador ficam com caras de paspalhos ao ouvirem meu
sonoro “Bom dia!”, em pleno sábado ou domingo, às sete da manhã. É hilário.
Onde trabalho, desde que entro na portaria principal até
chegar a minha sala, passo cantando bom dia pra todo mundo. Contentes pelo destaque
dado por alguém que veem com tanta distância, ao me enxergarem ao longe já
abrem um sorrisão. Isso é muito gratificante, embora não espere nada em troca. É
mesmo um vício.
Não creio que estes seres humanos, que executam uma
atividade apenas diferente da minha, existam para me servir. Certo dia, estava
no banheiro com uma colega, quando terminei de enxugar a mão e errei a mira da
lata de lixo. Abaixei para pegar o papel e ouvi o despautério: “Que é isso,
menina! Deixa aí que a moça da limpeza pega depois!”. E assim pensa e caminha a
humanidade.
Tanto conversê é por causa do Roberto. Eu o chamava de
rruberrrto quando passava pela recepção do prédio. Estava sempre lá, quietinho,
sentado atrás da mesa. Entra um, sai outro, bom dia, boa tarde. Via as caras
feias, os risos, ouvia e assistia às grosserias de muitos, era invisível para
tantos outros – simplesmente o porteiro. Eu e ele, ele comigo éramos
sorridentes. Bastava transpor a porta de vidro e ele me dirigia aqueles olhos
vivos e aguardava o meu “rrruberrrtooo, como vai você?”. Quando passava de
carro e ele estava do lado de fora, abria a janela e gritava “oi,
rrruberrrtoooo!”.
Pois é. O Roberto não está mais ali – pra mim, ali, tão
perto, não lá. E ao saber que não estaria nunca mais, tentei lembrar a última
vez em que passara por ele, naquela recepção. Por mais que tenha certeza de nunca tê-lo
destratado, ou ignorado, preocupei-me que ele tivesse partido com uma boa
recordação de nossos olhares e sorrisos, dos nossos curtos, porém
significativos momentos de diversão ao nos encontrar. Vai custar a passar o
ímpeto de abrir a janela do carro, esperando vê-lo diante do meu carro, quando
chego de manhã.
E fico aqui matutando: “imagino a galera que faz questão de
manter ‘distância segura’ desta classe invisível e que lê esta crônica, o que
pensam? Só mesmo a Giovana pra dar importância a isso. Demagogia. Hipocrisia. Fake.
Que nada, fazendo textinho pra agradar.”. Já ouvi exatamente isso em outras
ocasiões, sobre outras pessoas, em situações semelhantes. Justamente as mesmas
falas do povo do ‘deixa essa gente pra lá’, da classe da colega que diz “isso é
obrigação da faxineira”. Daquele outro que, “pra não me incomodar”, dizia que
eu não estava, quando o jardineiro, meu amigo de infância, procurava por mim.
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