Uma das perguntas que mais ouvi nas entrevistas nas quais
falei sobre meu livro foi: “como você escreveu?”. Cada repórter do seu jeito,
sempre na mesma expectativa de uma revelação sobre o processo criativo. Algo
que não existe. Pelo menos não creio que haja uma espécie de milagre na criação
de uma obra, seja qual for - literária, musical, plástica. Há, sim, trabalho. Do
momento em que surge a ideia até o ponto final, só sai uma história por meio de
muita transpiração. A inspiração passa de vez em quando, sopra uma colinha e dá
um tchau.
Já li incontáveis matérias sobre autores e suas obras e
jamais me contentei com as explicações deles a respeito. Por mais que tentem
esclarecer aos leitores como se deu o tal processo de criação, isso não se
explica. Quando se tenta verbalizar, nunca sai o que realmente ocorre. É
interno e profundo. O escritor, ao ser questionado, relata quase um passo a
passo, fala de personagens, de quanto tempo levou para terminar sua obra,
esclarece algo relacionado à trama. Mas, a ebulição, o frenesi, a angústia, o
quase estado de transe em que mergulha para transformar ideia em texto, não
revela. Porque não sai assim, no ‘pronto, falei’.
Conheci dia desses, numa reportagem, o concurso NaNoWriMo, abreviação de National Novel Writing Month
ou Mês Nacional de Escrever Romances. Criado por americanos, em 1999, o NaNoWriMo acontece todo mês de novembro. Os participantes têm de escrever um livro com 50 mil
palavras (cerca de duzentas páginas) em 30 dias. Bobagens sem fim saem
desta competição, já que não se deve ter preocupação com qualidade literária ou
correção gramatical; apenas trata-se de um incentivo para que escrevam. Pra não
desanimar totalmente, dessas disputas também já saíram best sellers como Água para elefantes, de Sara Gruen, e O circo da noite, de Erin
Morgenstern. São as exceções, a meu ver.
A jornalista Eliane Brum disse certa vez em entrevista
que, depois de meses de apuração de uma história, quando finalmente senta pra
escrever, o mundo em volta tem de parar. Diz que se torna outra pessoa, aquela
que vai precisar entrar na realidade apurada, para pode escrever e retratar,
com o máximo de fidedignidade, o que viu e ouviu, sem perder sensibilidade e
delicadeza. Como ocorre, exatamente, não é possível saber.
Levei quatro anos para dar conta do livro “Do lado
esquerdo do peito”. Já não foi um processo rápido pela dureza do próprio tema.
Afinal, revivi o câncer a cada linha, eu e eu, desde o levantamento dos textos,
passando pela organização cronológica e pela inclusão de outros vários relatos,
até a produção total. Quatro anos. Já respondi à pergunta inicial diversas
vezes, sempre explicando esta, digamos, montagem do livro. Também disse que
parei várias vezes, que chorei, que enjoei de novo, que desisti e depois
retomei. Mas como tudo aquilo saiu da memória dos meus mais recônditos
sentimentos, não saberia dizer. Talvez seja esta a revelação que todo repórter
deseja ouvir, ou talvez seja apenas uma impressão minha: que o entrevistador queira
algo além do que o escritor possa dizer de sua própria criação. Ou, ainda: a minha
própria necessidade de explicar e ver explicado este processo.
Terminei de escrever, fiz uma bela noite de lançamento e
a sensação que ficou, após esses anos de produção, é que não acabei apenas um
livro, materialmente falando, e isso é mais uma coisa que não se explica.
Portanto, vou parando por aqui. O engraçado, depois de tudo, com o livro já nas
ruas, é a outra pergunta que sempre me fazem ao final das entrevistas: “já tem
planos para outro livro?”.
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