7 de novembro de 2013

Isso não se explica

Uma das perguntas que mais ouvi nas entrevistas nas quais falei sobre meu livro foi: “como você escreveu?”. Cada repórter do seu jeito, sempre na mesma expectativa de uma revelação sobre o processo criativo. Algo que não existe. Pelo menos não creio que haja uma espécie de milagre na criação de uma obra, seja qual for - literária, musical, plástica. Há, sim, trabalho. Do momento em que surge a ideia até o ponto final, só sai uma história por meio de muita transpiração. A inspiração passa de vez em quando, sopra uma colinha e dá um tchau.

Já li incontáveis matérias sobre autores e suas obras e jamais me contentei com as explicações deles a respeito. Por mais que tentem esclarecer aos leitores como se deu o tal processo de criação, isso não se explica. Quando se tenta verbalizar, nunca sai o que realmente ocorre. É interno e profundo. O escritor, ao ser questionado, relata quase um passo a passo, fala de personagens, de quanto tempo levou para terminar sua obra, esclarece algo relacionado à trama. Mas, a ebulição, o frenesi, a angústia, o quase estado de transe em que mergulha para transformar ideia em texto, não revela. Porque não sai assim, no ‘pronto, falei’.

Conheci dia desses, numa reportagem, o concurso NaNoWriMo, abreviação de National Novel Writing Month ou Mês Nacional de Escrever Romances. Criado por americanos, em 1999, o NaNoWriMo acontece todo mês de novembro. Os participantes têm de escrever um livro com 50 mil palavras (cerca de duzentas páginas) em 30 dias. Bobagens sem fim saem desta competição, já que não se deve ter preocupação com qualidade literária ou correção gramatical; apenas trata-se de um incentivo para que escrevam. Pra não desanimar totalmente, dessas disputas também já saíram best sellers como Água para elefantes, de Sara Gruen, e O circo da noite, de Erin Morgenstern. São as exceções, a meu ver.

A jornalista Eliane Brum disse certa vez em entrevista que, depois de meses de apuração de uma história, quando finalmente senta pra escrever, o mundo em volta tem de parar. Diz que se torna outra pessoa, aquela que vai precisar entrar na realidade apurada, para pode escrever e retratar, com o máximo de fidedignidade, o que viu e ouviu, sem perder sensibilidade e delicadeza. Como ocorre, exatamente, não é possível saber.

Levei quatro anos para dar conta do livro “Do lado esquerdo do peito”. Já não foi um processo rápido pela dureza do próprio tema. Afinal, revivi o câncer a cada linha, eu e eu, desde o levantamento dos textos, passando pela organização cronológica e pela inclusão de outros vários relatos, até a produção total. Quatro anos. Já respondi à pergunta inicial diversas vezes, sempre explicando esta, digamos, montagem do livro. Também disse que parei várias vezes, que chorei, que enjoei de novo, que desisti e depois retomei. Mas como tudo aquilo saiu da memória dos meus mais recônditos sentimentos, não saberia dizer. Talvez seja esta a revelação que todo repórter deseja ouvir, ou talvez seja apenas uma impressão minha: que o entrevistador queira algo além do que o escritor possa dizer de sua própria criação. Ou, ainda: a minha própria necessidade de explicar e ver explicado este processo.

Terminei de escrever, fiz uma bela noite de lançamento e a sensação que ficou, após esses anos de produção, é que não acabei apenas um livro, materialmente falando, e isso é mais uma coisa que não se explica. Portanto, vou parando por aqui. O engraçado, depois de tudo, com o livro já nas ruas, é a outra pergunta que sempre me fazem ao final das entrevistas: “já tem planos para outro livro?”.
.
.
.

Nenhum comentário: