4 de dezembro de 2012

Trajeto



Às 7h30 da matina, sono e expectativa se misturam no ponto de ônibus. Qual sairá primeiro? Vai dar tempo? O que fazer com este encosto chamado medo?

No banco, à espera, junta-se ao que pensa ser o cobrador, que toma seu café da manhã comprado ali mesmo, na carrocinha. Ele conta ao colega que esteve num evento, varou a madrugada, mas que estava firme forte, munido de toda a responsabilidade. Orgulha-se por ser evangélico e assegura que Deus o mantém aceso para não cometer erros no trabalho após uma festa de louvor.

Surpresa em seguida. Não é o cobrador, mas o motorista quem está virado para encarar o volante; o tal colega, este sim, é o cobrador.

O ônibus parte. Que bom, o motorista é mesmo responsável. O trajeto com previsão de uma hora poderia ser tranquilo, não fossem as pequenas ocorrências. Num sábado tão cedo, enquanto muitos viajam rumo ao trabalho ou à aula, outros tantos retornam da balada.

Numerosos e barulhentos grupos entram. Garotos e garotas, ainda bem jovens, bêbados, garrafas nas mãos, sentam-se no piso, em algazarra. O funk toca no celular, na tentativa de esticar a noite. Descem à frente da entrada do morro, sem pagar passagem. A viagem continua e todos no ônibus permanecem impassíveis.

Logo adiante, a paisagem muda e o que se vê são casas de luxo, hoje transformadas em espaços para festas do outro estrato social. O acostamento - que não é acostamento - está lotado, o ônibus passa devagar. Um rapaz de terno e gravata, encurvado atrás de um carro, vomita. Uma mulher é amparada por dois homens, embriagada - ou drogada - descabelada, com as sandálias em uma das mãos.

Segue o trajeto.


Manhã do dia seguinte. Sono. Cansaço. Certo torpor causado por excesso de informação a ser processada pelo cérebro.

Já no ponto de ônibus, às 7h, passa um homem ainda trajando o que na noite anterior teria sido um passeio completo. Lívido, olhos vidrados, cambaleante. Parece não saber aonde vai.

Naquela mesma subida, os mesmos grupos, o mesmo tumulto. Nenhum passageiro parece ver aquilo, ninguém se move. Motorista e cobradora também. Os passageiros, com seus funks em altíssimo volume, se apropriam do lugar e da paz alheios. Não incomodam mais que isso; descem à frente do morro e o silêncio volta a reinar, como se nada tivesse acontecido.

Menos de dois quilômetros depois, avista-se a cena que marcaria a memória por dias. O homem, caído no chão. Sente dor, se contorce, sangra. O ar é puxado com força, para encher os pulmões ao máximo, na esperança de, ao expirar, jogar fora aquela imagem, como fazem as outras pessoas, que na verdade parecem nem ver.

Quase 8h e as festas bombando. Da rua é possível ver o piscar das luzes no interior das tendas e ouvir o bate-bate da música eletrônica. Uma mulher está sentada à beira da estrada; na noite anterior deveria estar - ou ser - bonita. Naquele momento era somente o sinônimo do fim. Fim de qualquer coisa.

No retorno pra casa, numa das paradas, uma adolescente bate no namorado, na calçada. Empurra, sacode, belisca, aponta o dedo no nariz do rapaz, passa a unha no queixo dele, espalma a mão no rosto, como uma bofetada sem imprimir força. Ele não reage. Continua andando e ela berrando. Dentro do ônibus um passageiro comenta com o trocador “e ainda temos que respeitar a tal da lei Maria da Penha”. E riem.

Segue a vida.
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2 comentários:

Wellington Morais disse...

Texto interessante, um tanto quanto verídico! Não sei porque, se é porque te conheço, mas sempre quando leio seus textos, me imagino nas cenas escritas também! Nem sempre isso acontece quando leio!

www.elianedelacerda.com disse...

PArabens,amiga
ameii