Às 7h30 da matina, sono e expectativa se misturam no ponto
de ônibus. Qual sairá primeiro? Vai dar tempo? O que fazer com este encosto
chamado medo?
No banco, à espera, junta-se ao que pensa ser o cobrador,
que toma seu café da manhã comprado ali mesmo, na carrocinha. Ele conta ao
colega que esteve num evento, varou a madrugada, mas que estava firme forte,
munido de toda a responsabilidade. Orgulha-se por ser evangélico e assegura que
Deus o mantém aceso para não cometer erros no trabalho após uma festa de
louvor.
Surpresa em seguida. Não é o cobrador, mas o motorista quem
está virado para encarar o volante; o tal colega, este sim, é o cobrador.
O ônibus parte. Que bom, o motorista é mesmo responsável. O
trajeto com previsão de uma hora poderia ser tranquilo, não fossem as pequenas
ocorrências. Num sábado tão cedo, enquanto muitos viajam rumo ao trabalho ou à
aula, outros tantos retornam da balada.
Numerosos e barulhentos grupos entram. Garotos e garotas,
ainda bem jovens, bêbados, garrafas nas mãos, sentam-se no piso, em algazarra.
O funk toca no celular, na tentativa de esticar a noite. Descem à frente da
entrada do morro, sem pagar passagem. A viagem continua e todos no ônibus
permanecem impassíveis.
Logo adiante, a paisagem muda e o que se vê são casas de
luxo, hoje transformadas em espaços para festas do outro estrato social. O
acostamento - que não é acostamento - está lotado, o ônibus passa devagar. Um
rapaz de terno e gravata, encurvado atrás de um carro, vomita. Uma mulher é
amparada por dois homens, embriagada - ou drogada - descabelada, com as
sandálias em uma das mãos.
Segue o trajeto.
Manhã do dia seguinte. Sono. Cansaço. Certo torpor causado
por excesso de informação a ser processada pelo cérebro.
Já no ponto de ônibus, às 7h, passa um homem ainda trajando
o que na noite anterior teria sido um passeio completo. Lívido, olhos vidrados,
cambaleante. Parece não saber aonde vai.
Naquela mesma subida, os mesmos grupos, o mesmo tumulto.
Nenhum passageiro parece ver aquilo, ninguém se move. Motorista e cobradora
também. Os passageiros, com seus funks em altíssimo volume, se apropriam do
lugar e da paz alheios. Não incomodam mais que isso; descem à frente do morro e
o silêncio volta a reinar, como se nada tivesse acontecido.
Menos de dois quilômetros depois, avista-se a cena que
marcaria a memória por dias. O
homem, caído no chão. Sente dor, se contorce, sangra. O ar é puxado com
força, para encher os pulmões ao máximo, na esperança de, ao expirar, jogar
fora aquela imagem, como fazem as outras pessoas, que na verdade parecem nem
ver.
Quase 8h e as festas bombando. Da rua é possível ver o
piscar das luzes no interior das tendas e ouvir o bate-bate da música
eletrônica. Uma mulher está sentada à beira da estrada; na noite anterior
deveria estar - ou ser - bonita. Naquele momento era somente o sinônimo do fim.
Fim de qualquer coisa.
No retorno pra casa, numa das paradas, uma adolescente bate
no namorado, na calçada. Empurra, sacode, belisca, aponta o dedo no nariz do
rapaz, passa a unha no queixo dele, espalma a mão no rosto, como uma bofetada
sem imprimir força. Ele não reage. Continua andando e ela berrando. Dentro do
ônibus um passageiro comenta com o trocador “e ainda temos que respeitar a tal
da lei Maria da Penha”. E riem.
Segue a vida.
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2 comentários:
Texto interessante, um tanto quanto verídico! Não sei porque, se é porque te conheço, mas sempre quando leio seus textos, me imagino nas cenas escritas também! Nem sempre isso acontece quando leio!
PArabens,amiga
ameii
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