Texto impecável de Joaquim Ferreira dos Santos nos mostra Leila Diniz quase viva, em carne e osso
Ano passado, após uma palestra do Nelson Motta em Volta Redonda, ouvi uma aluna minha desdenhar do visitante. “Enquanto estava todo mundo preocupado em mudar o país, esse cara só se preocupou com música e bossa nova. Tô me lixando pra ele”. E foi inevitável pensar nela ao ler Leila Diniz: uma revolução na praia, do jornalista Joaquim Ferreira dos Santos.
Leila nasceu em 1945 e foi por volta de 1968 que ela mexeu com as bases moralistas no Rio de Janeiro. Não era intelectual, não era do movimento estudantil, não era de partido de esquerda (embora seu pai fosse do Partidão), não era feminista. Ao contrário, fazia questão de se colocar de fora de qualquer atividade que a rotulasse disso ou daquilo. E foi justamente essa liberdade que marcou o comportamento de Leila Diniz e a fez uma revolucionária. “Carmem Miranda também estreou uma nova mulher nos anos 1930. Trouxe ousadia inédita para as cantoras do início do século XX, avançou na malícia feminina (Eu dei / O que foi que você deu, meu bem?) dos temas de suas marchinhas. Apostava na sinalização espontânea do corpo e, também sem discurso, na revelação de uma mulher com mais destaque”.
Eu nasci em 1968. Quando tive idade para entender o que foi essa época, já havia passado, apesar do seu significado permanecer efervescente até hoje. Por isso, tudo o que sei desse tempo é de ler e ouvir contarem. E Leila pra mim era apenas um nome, um grande nome na boca de quem a citasse. “Leila Diniz era demaaais”, “Nossa, era um mulherão!”, “Uma vadia, vagabunda!”, “Cruz credo. É uma perda de tempo falar dessa p.”.
“Diante do sexo uma mulher não tinha muitas opções: era a frígida em casa, a ninfomaníaca nas garçonnières ou a meretriz-vagaba nos rendez-vouz (...) Uma mulher direita – Dercy Gonçalves já fazia o papel de velha maluca, estava fora do rótulo – não dizia palavrão, principalmente diante do gravador de um jornal de grande circulação”.
Leila Diniz vai à praia de biquíni: a foto histórica de Joel Maia, na Ilha de Paquetá, numa reportagem de Maria Helena Malta para a revista Cláudia
Leila, pra mim, não tinha todo o significado que teve e tem para as mulheres que viveram essa tomada de poder do próprio corpo. “A Leila foi a mulher que vestiu biquíni grávida”, repetia sempre a minha irmã. Amigos meus que acompanharam a breve vida de Leila Diniz me falam que “ela era linda”, mas nas poucas fotos que pude observar, jamais vi uma beleza plástica invejável.
“Até aquele momento, uma mulher decente só podia expor-se ao sol com uma bata que descia de parte de cima do biquíni e ocultava a barriga. Não era um cuidado médico, mas pudicícia e preconceito. Barriga de grávida só em livro de medicina. As mulheres não deviam exibir algo tão ostensivo da sexualidade - e lá iam elas com aquele estorvo sobre o barrigão estufado, suado, escondendo o óbvio”.
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E Joaquim Ferreira dos Santos - a quem me permito chamar de mestre - me apresentou Leila Diniz quase viva, em carne e osso. O texto impecável, recheado de informações, depoimentos e fotografias, nos mostra a Leila mulher, normal, comum, simples, e por isso mesmo linda, sim, e diferente. Não a desbocada, despudorada e imoral como as pessoas de boa família a definiram, mas a que foi capaz de, em plena década de 60, ser dona do próprio nariz, da própria vontade, ter opinião, escolha..
E Joaquim Ferreira dos Santos - a quem me permito chamar de mestre - me apresentou Leila Diniz quase viva, em carne e osso. O texto impecável, recheado de informações, depoimentos e fotografias, nos mostra a Leila mulher, normal, comum, simples, e por isso mesmo linda, sim, e diferente. Não a desbocada, despudorada e imoral como as pessoas de boa família a definiram, mas a que foi capaz de, em plena década de 60, ser dona do próprio nariz, da própria vontade, ter opinião, escolha..
“O biquíni de Leila não tinha compromisso algum com a última moda. Segundo o amigo José Carlos Oliveira, ela passou um verão inteiro com apenas um, largo e desbotado (...) Alguns achavam cafona. Leila não tinha esses preconceitinhos”..
Professora, atriz, mulher. Foi tudo isso, foi só isso, ou não foi nada. Foi simplesmente uma mulher e, exatamente por isso, chamou a atenção no seu tempo. Porque não era comum ser mulher, não era normal viver como mulher, era proibido ser mulher em toda a sua plenitude. O pior é que nos dias de hoje ainda tem gente que pensa assim. Como diz a minha manicure, “é uma m..., mas tem um povo aí que acha que se você não for propriedade de algum macho, tá vivendo em pecado”.
Joaquim Ferreira dos Santos: texto impecável.
Capa do livro Leila Diniz: uma revolução na praia: minha recomendação expressa e veemente a todos os vidrados por uma história bem contada
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3 comentários:
Supimpa!
Preciso ler esse livro, pq sempre achei Leila Diniz interessante, revoluicionária e que por forças do destino teve uma vida breve. Já vi um filme sobre ela muito bom.
Leila Diniz fez parte do meu imaginário erótico adolescente. Ela não era de esquerda nem de direita, contrariou a ambos os lados. Foi atriz de cinema , tv e teatro Que saudade da Leila. Ela era apenas Leila Diniz, qual é o problema?
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