21 de janeiro de 2009

Tudo o que eu odeio*

Por Flávia Anastácio
A Dona do Brog

Eu não odeio pessoas. Não odeio animais. Não odeio nem insetos.
Odeio sentimentos. Odeio atitudes. Odeio odiar. E odeio não ter escolha quanto a isso.
Odeio sentimentos que deterioram as pessoas. Odeio sentimentos que tornam um homem mesquinho. Odeio a mesquinharia, inclusive. Ela e tudo o que proporciona. Odeio tudo o que se parece com ela. Tudo o que ela faz de um ser humano.
Odeio arrogância. Ninguém precisa. Simplicidade e humildade cabem em qualquer lugar. Odeio o arrogante. Odeio a aura que o arrogante traz consigo.
Odeio o prepotente. Pra que? Em benefício de que? Prepotência é irritante. Prepotência é dispensável. Prepotência é odiável.
Odeio muitas atitudes. Odeio, principalmente, as atitudes que pessoas não são obrigadas a tomar. Essa semana eu me lembrei que odeio a corrupção. Odeio profundamente. Com toda a força do meu ser (tão mexicana essa expressão... rs). Odeio o corruptor também.
Odeio o homem que se utiliza de uma farda para extorquir, para mostrar que manda, pra se dizer superior.
Convivi com fardas respeitáveis. Muitas. Mas muitas mesmo. Por quase cinco anos eu dividi apartamento, bar, matérias, trabalho, tiros, aulas, cursos, caronas, lanches, madrugadas, a minha vida com centenas de homens fardados. Todos respeitáveis. Foram fardas cinzas, pretas, azuis petróleo, azuis claro, amarelas e vermelhas.
Essa semana - hoje precisamente, um "nada" me fez pensar nisso. Ele usava farda bege e trabalhava numa das principais rodovias do Estado do Rio de Janeiro.
Minutos antes, numa conversa, eu defendia a 'classe'... sua roupa, sua honestidade, sua corporação. Não poderia imaginar que o que viria a seguir poria em xeque todo o meu discurso de defesa.
Era uma ultrapassagem proibida. Sim, proibida. Errada. E como qualquer erro, deveria ter sido, inquestionavelmente e prioritariamente, punido.
Antes, porém, de informar-nos da punição, o homem de farda, que ganha cerca de R$ 5 mil todos os meses, nos pediu 250 reais.
A oferta eu não ouvi. Ela foi feita a um amigo, que dirigia o carro (e, mané, fez a ultrapassagem proibida, justamente em frente ao posto da Polícia Rodoviária Federal) e foi ter com o homem de farda no reservado. Aliás, por que reservar uma proposta assim? Ela deveria ser feita, sempre, na rua, de preferência com outros carros parados, perto de outros motoristas. Ta, mas não foi isso o que o homem de farda fez. Ele preferiu o reservado. Como os ladrões, os salteadores, a maioria dos corruptos (que redundância).
Para a infelicidade do homem de farda, meu amigo tinha ido pro reservado, sem a carteira e voltou ao carro pra pegar. Ah, e a infelicidade do homem de farda estava justamente no fato de eu estar no carro.
Pronto. Acabou.
Ele se lascou.
Eu, eu mesma, do jeitinho que os meus três leitores conhecem, fui ao reservado. E, com o meu jeito fino de ser, o encontrei sentado à mesa, esperando 250 reais (gente.... eu tenho que escrever muita matéria pra ganhar 250 reais!). A primeira coisa que fiz foi jogar a carteira sobre a mesa. Ele se assustou. Esperava pelo motorista e era eu.
"De quanto é a multa pela ultrapassagem proibida?". "Quase 200 reais, mas tem também o fato de o documento dele não estar em dia".
Aí é que ele tinha se enganado. O documento estava em dia. O IPVA do ano pago. O carro ainda não foi vistoriado, mas isso não é um problema, já que pelo final da placa, a vistoria só acontece em setembro (e se estivesse de fato atrasado, ele teria que apreender o carro e não pedir 250 reais para liberá-lo).
Abri o documento e pedi-lhe que me mostrasse onde estava a irregularidade.
Gente... eu nunca vi um homem de farda gaguejar tanto. Ele colou as placas. Não falou mais (aliás, num curso de formação policial, o cara deveria ter aula de alguma coisa que o ensinasse a não gaguejar, a responder qualquer coisa com firmeza, a não se assustar com qualquer baixinha que lhe apareça à frente... essas coisas fundamentais).
E eu me aproveitei disso para falar umas coisas bem interessantes a ele. Fiz aquela minha pregação sobre corrupção. E sobre corruptor, claro.
Falei que é tudo a mesma coisa. Desde o homem de farda, que não merece ser chamado policial, até o motorista que só quer andar errado, sem arcar com as consequências disso.
Absurdo total.
O corrupto e o corruptor são uma dupla de hipócritas. Aqueles que pregam, mas não vivem. Aqueles que falam do governo, do vereador, da polícia, da mulher do vizinho, do filho do taxista... sempre vendo os erros de todo mundo. Mas se esquecem que é por eles que existe a corrupção, se esquecem de devolver 20 centavos que recebem a mais no troco do pão, se esquecem devolver o que tomam emprestado, se esquecem de pagar o que devem e se esquecem de mais um monte de coisas. É por eles, pelo que eles mostram aos filhos e aos outros, que vivemos num país como este. Um país onde pessoas especiais, que desenvolvem trabalhos especiais são vistas como perigosas, como pessoas que matam, que extorquem, que tiram do trabalho suado de muitos.
Isso, inclusive, virou regra. Eu me vejo como uma das poucas pessoas que ainda acreditam em honestidade na Polícia, na Política, na vizinhança, na família e onde quer que seja.
E continuo acreditando. E falei isso tudo para o tal homem (o nome dele estava aqui, mas decidi seguir o conselho de um amigo e o retirei), funcionário público. Lotado na 7ª Delegacia de Polícia Rodoviária Federal, localizada na BR 393.
Ao final da conversa, digo, do monólogo (porque a ele faltaram palavras. Ou argumentos. Ou talvez tenha sobrado vergonha na cara e ele teria se calado por isso... vai saber), ele não queria nos aplicar a multa.
Depois de todo o meu discurso, será que ele pensou mesmo que eu sairia dali sem a aplicação da multa? Tolinho...
Eu disse que lavrasse a multa. "Isso seria prevaricação". Só disse isso.
Nem precisava dizer mais nada....
Ele pegou o bloco e fez o que tinha que ser feito.
O que tinha que ser feito muito antes de pensar em pedir algum dinheiro para que o nosso erro fosse 'desculpado'. Como se houvesse desculpa para uma ultrapassagem daquelas...
Eu precisava dizer isso. Eu precisava lembrar aos meus três leitores que esta é a minha posição. Que ela nunca mudou. E jamais mudará.
Corrupção é corrupção. Um crime hediondo. E eu odeio.


*Originalmente publicado no Brog da Frávia
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