21 de janeiro de 2009

- Adeus, Tulio

Por Vicente Melo


Faleceu dia 11 de janeiro de 2009, o pintor fluminense Tulio Cordeiro. Após sentir-se mal, foi atendido pelo serviço de saúde em São Pedro da Serra, levado para um hospital em Friburgo, porém, horas de tratamento intensivo não foram suficientes para estancar uma hemorragia estomacal. Foi sepultado em São Pedro onde mantinha um ateliê. Aos 59 anos Tulio estava na ativa e participando de eventos. Ainda circula pela Europa uma exposição de artistas brasileiros que inclui seus trabalhos. Instalada em setembro na embaixada brasileira em Londres, exibia o próprio Tulio em um dos cartazes.

Morava no Rio de Janeiro com a família. Sua trajetória artística passa por muitos cenários e situações distintas. Jovem ainda Tulio fez parte do Movimento Beatnick, precursor do Movimento Hippie, grupo que ocupou com grande rumor o casarão da rua Riachuelo, na Lapa, Rio, no início dos anos 60. Nessa época sua família participou de negócios em Volta Redonda e ele ficou pela cidade até meados dos anos 70. Depois de estadas no interior, com índios e viagens pela América do Sul, foi para a França, vivenciou o universo artístico da Europa em alguns países durante alguns anos, foi para a Argentina, onde viveu mais alguns anos e voltou definitivamente para o Brasil, foi para Búzios, instalou uma galeria de arte. Há cerca de 20 anos passou a morar no Rio de Janeiro, mais precisamente em Santa Teresa. Mantinha um ateliê em São Pedro da Serra, na região serrana, para onde viajava constantemente.

Túlio Cordeiro tem suas obras em vários países, em galerias e com colecionadores. É recorrente a abdicação de seu impressionismo no realismo fantástico. É parte de sua instabilidade. Não se isentava da realidade para pintar, quase sempre deixou vazar para a sua obra os dissabores de sua interface com mundo real. Em função dessa inconstância, ora seus quadros revelam a alma do artista, seu largo conteúdo cultural e convicções filosóficas e ora dialogam com o momento, entregue ao arrebatamento ocasional de um tema, emoção ou ocorrência. É aqui que ele mais se aborrecia, pois estava sempre a construir uma resposta pertinente e quando ela se apresentava, a pergunta parecia desaparecer.

Tanto a tentativa de abstrair-se para se isentar, como a de integrar-se no sentido de enfrentar, causam transtornos ao processo de criação. Ao artista é necessário tão somente o exercício periódico do distanciamento, para que formule a sua postura crítica e fomente o seu discernimento criador. Em Túlio parece que a técnica utilizada era um componente que ajudava nesse mister. Enquanto utilizava o bico de pena mantinha-se mais despojado, mais livre.
Principalmente nas duas últimas décadas pintou muito do ambiente noturno, com os personagens típicos dos bares, balcões e salões de gafieiras. Um desses trabalhos é o painel ao longo da escadaria da Gafieira Estudantina, no Rio, quando da reinauguração comemorativa dos 70 anos da casa.


Artista plástico por vocação, trabalhou com artesanato antes de pegar o pincel ainda na década de 60. Desenhava em guardanapos em mesas de bares, enchia de cruzes e sepulturas todo espaço em branco que via pela frente. Época em que escrevia a coluna Fossário no antigo jornal Presença, em Volta Redonda, enquanto participava de um grupo que utilizava recursos diversificados como teatro, música, poesia, jornalismo e outros, com o intuito de amparar o ânimo existencial.

Mesmo cultivando seus longos cabelos pretos foi aos poucos emergindo de seu status contracultural, deixando o rosto melhor visível ao olhar mais para o horizonte. Foi quando começou a discutir a anatomia humana nos desenhos. Fazia críticas sociais a partir de cenas cujos personagens brincavam com as emoções. Traços rígidos e bem marcados, muitas vezes rabiscados repetidamente enquanto corrigiam, alteravam e construíam a performance do fato a desejado.

Seu relacionamento com os demais atores do mundo artístico sempre teve um viés conflituoso, face a uma clara impaciência para negociar que se misturava com intransigência. Por outro lado, gostava de estabelecer relacionamentos com muita cumplicidade. Sonhador dedicado, sentia toda a incompreensão sociocultural que pesava sobre os que não fazem o jogo do mercado. Dava de ombros e se neutralizava com forte dose de blasé, como se fosse só isso, como se fosse simples, e reagia inconscientemente com um tanto de indisciplina. Era capaz de adiar um compromisso ante um convite para uma viagem ou mesmo uma noitada com amigos. A vida era vivida na hora mesmo porque era mais fácil e saborosa que a construção do porvir.

Em breve traremos mais informações sobre Túlio, principalmente sobre a sua obra, exposições e fotos. Por ora fica o registro da passagem do amigo Marcos Túlio Cordeiro dos Santos, meio século de uma consistente amizade com toda a cumplicidade preceituada por sua persona.
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