5 de setembro de 2011

Histórias decompostas

Li recentemente num livro a expressão ‘histórias decompostas’. O autor apenas cita, sem explicar do que se trata, algo que a personagem pensa, ou lembra, aleatoriamente, sem verbalizar. Gostei da expressão. Naquele momento, ou melhor, naquele dia, estas duas palavras juntas queriam me dizer alguma coisa em especial.

Encostei o livro no joelho e vaguei por histórias que são decompostas pelo evento morte, que ceifa de repente planos e sonhos. Histórias de famílias, decompostas pelo mesmo evento, pois que são diluídas e têm que se recompor, de outra forma, para construir uma nova história. Há também outras histórias, decompostas por sofrimentos inúmeros, de inúmeras formas, de inúmeros desfechos. Histórias decompostas pelos desentendimentos, pelas incompreensões, pelas separações.

Mais uma vez em pouquíssimo tempo assisti ao encerramento de uma história de vida. Mulher cheia de disposição, pouco mais de cinquenta, mãe, filha, irmã, amiga. Conheci desde criança. Não vivia próxima, mas estava sempre por perto. Sua partida desta existência foi um susto e lá estávamos nós, família e amigos, diante daquela cena de despedida, que não queremos, mas queremos que acabe logo.

Apesar de espírita e de crer que somos espíritos imortais, ainda acho um tanto surreal enterrar um corpo com o qual convivi. É estranhíssima a sensação ao vê-lo inerte, coberto por flores, dentro de uma caixa de madeira, que é colocada no fundo de um buraco e terra por cima. Entro lá no meu mais fundo possível para tentar encontrar explicação para isto que sinto além da tristeza e do choque pela perda. Não vejo nada. Nem escuto. Restabeleço força e coragem (Deus! De onde vem isso?!) para dizer a mim tudo o que aprendi com a vida (pouco?!) até agora. Viro as costas, volto para casa. Ela não existe mais; pelo menos não aqui. Como assim?

Este foi o dia em que li a expressão ‘histórias decompostas’, à noite, na minha cama, pouco antes de dormir. Ali estava se decompondo mais uma história (além do corpo). Ela própria, espírito imortal, encerrava uma etapa (ou parte da sua história) para recomeçar lá, na outra dimensão. E nós, amigos e família, recomeçamos as nossas logo que atravessamos o portão.

Histórias são decompostas todos os dias. O corpo se decompõe todos os dias. Nascemos e morremos todos os dias. E o que aprendo com isso? A viver.

Um comentário:

Kátia Almeida disse...

Adorei! Gosto do seu jeito de escrever! Bjkas!