7 de setembro de 2011

Chamou a Veja de minha querida, pelamordedeus!

Sou apartidária. Não apolítica. O indivíduo que se diz apolítico está perdido no mundo. Sou apartidária. Não tenho ligação alguma a partido. Prefiro minha liberdade de pensar, opinar, agir, votar, reclamar, esbravejar, sem obrigação de lealdade a nenhum tipo de ideologia escrita num papel. Posso exercer minha cidadania perfeitamente sem estar atrelada a uma sigla qualquer. Porém, tenho opinião. Tenho convicções. Princípios. Demandas. Estudo, leio, compreendo meu papel social e tento exercê-lo na medida do possível, defendo uma sociedade igualitária, com acesso a tudo o que é direito e livre de tudo o que não presta. O que não tolero é radicalismo e um monte de outras coisas que terminam em ismo e que, para mim, parecem doença.

Topei com um sujeito esta semana que só não me tirou do sério porque a pessoa aqui anda muitíssimo calma e tem preferido o silêncio apaziguador. Mas estava lá, sentadinha no meu canto, sozinha na sala de espera da oficina mecânica, quando entrou um cidadão esbaforido, andando rápido (pela aparência geral me lembrou a Formiga Atômica), um poço de ansiedade. Falava alto, muito cheio de si, como se o mundo estivesse andando para trás; só ele para frente. Olhei, “boa tarde”, continuei em silêncio. E nos 25 minutos seguintes ele falou. Falou. E falou. “Não gosto de acordar cedo, não faço nada que tenha horário fixo marcado, odeio agenda, se chegar atrasado na minha ginástica eles deixam eu fazer assim mesmo, porque sou amigo de todo mundo...”.

Professor aposentado, hoje vendedor, percorre toda a região oferecendo suas representações (como, sem cumprir horários?). Viajara naquele dia, mas o ônibus estava lotado e ele, de pé, não pode ler a sua revista Veja. Engoli em seco. “O cara é leitor de Veja; isso não vai acabar bem”, pensei. Afinal, a tal revista é hoje, para mim, o que a imprensa nacional tem de mais reacionário e vil, e o indivíduo a chamou de “minha querida Veja”. Com este carinho todo, ai ai, meu Deus! O que ainda poderia vir daquela conversa?!

Chato profissional. Imaginei que em instantes ele tiraria do bolso uma carteirinha da Associação Internacional dos Chatos muitos Chatos, com sede na Tonga da Mironga. Abriu o jornal em cima da mesa e desfechou uma saraivada de impropérios ao ver as notícias dos feitos do governo federal; disse que adoraria fazer um mestrado em ciência política, mas que acabaria travando uma guerra, pois não conseguiria conviver com os professores, já que “todo este pessoal de universidade é petista”; se disse muito político, que gosta de debater política, “como isso o que estamos fazendo aqui”. E eu em estrito silêncio, só olhando para a cara dele, até assustada com tanto falatório sem trégua. O pior é que ele é do tipo que fala, expressa sua opinião, é radical, inflexível e pensa que seu interlocutor concorda com tudo o que diz. Ou seja, pensa que ele é o máximo!

Por fim, cansei de ouvir tanta bobagem. Aproveitei que meu carro estava liberado e me levantei. Fui saindo com meu silêncio e ele não se deu por vencido. Veio atrás de mim, falando alto e balançando os braços (para mim parecia que agitava a bandeira da irracionalidade, credo!).

Propositalmente não revelei aqui a que partido político o sujeito pertence (sim, ele disse que pertence a um partido), justamente porque prefiro manter esta conversa no tom apartidário. Exatamente porque quero dizer que educação e elegância independem de qualquer posicionamento político. O cidadão tem, antes de tudo, a obrigação de ser educado, de ter uma postura no mínimo elegante, um comportamento em sociedade que garanta o seu espaço e o espaço do outro. O que adianta ser desse e de outro partido se não consegue ser humano, respeitar o ambiente coletivo, a opinião alheia? O que adianta ser partidário se na sua fala se observa claramente que não lê, não estuda, demonstra nível zero de informação? E estou falando aqui de um ser que se diz professor! Ô dó!

Entrei no carro, respirei fundo e pensei no tantão de gente por aí que pensa como ele, age como ele, cria filhos e os coloca no mundo para fazer e falar um monte de bobagens, como ele. Pensei nos milhares de pessoas que estão aí pelas ruas, nos escritórios, nas salas de aula, nos bares, na vida pública, apenas vivendo, sugando do mundo e dos outros tudo o que podem para seu próprio bem estar, sem oferecer nada à coletividade, falando alto, bradando aos ventos, cheios de razão, e de vazio.

9 comentários:

Jader Moraes disse...

Ah Giovana...
você e essa sua arte de nos divertir até ao narrar o absurdo. Que leitura prazerosa, mais uma vez!

Giovani Miguez, filosofante disse...

De fato, Veja é um lixo! Mas existe coisa pior, basta ler os jornalecos de Volta Redonda! Compará-los a lixo seria ofender gravemente o termo. Mas isso curiosamente niguem fala. Por que será?

Frederico Kanashiro disse...

O eu coletivo está cada vez menos presente.

Kátia Almeida disse...

Adorei o que escreveu e a maneira como escreve. Parabéns! Seu texto me remeteu a duas lembranças. Uma vc já sabe qual é! A outra foi uma situação que vivenciei na semana passada. Uma jovem que não desejo reencontrar nunca mais.Com o ela poderi ter ficado calada!Rsrsrsrsr... Mais uma vez parabéns pelo blog. Kátia Almeida

Rick Fire disse...

Eu foleio a Veja, pois aqui na agência tem assinatura... tem umas imagens bacanas, as vezes umas ilutrações e raramente um assunto que merece instiga minha curisidade. Um lixo?! Talvez... mas vai da maneira de observar de cada um.

Texto irado como de praxe. (Sou suspeito né?! S2)

Rick Fire disse...

Lido!!

S2

Luciano Neto disse...

Odeio pessoas individualistas, o invidivualismo leva ao egoísmo exacerbado, e isso é prejudicial pois o mundo não é uma cela com apenas um. ( Ou pelo menos não deveria ser ).

No mais, deixo registradas as palavras de uma outra amiga: "nada nesse mundo é nosso"

Beijos.

Alice G. disse...

Adorei!

Jaqueline Evelin disse...

Ola anjo...agora vou estar sempre por aqui, é realmente prazeroso ler o que você escreve...beijos Jaque