Pagava o pacote de ração da minha gata no balcão da loja, quando a balconista pediu a outro funcionário que retornasse com o cão, que acabara de tomar banho, pois a guardiã dele chegaria atrasada. “Tranca lá dentro; ele é muito bagunceiro”. E nós, quando vimos o animal, claro, ficamos encantados com a beleza dele. Branquinho, peludo, orelhas grandes, todo escovado e com cara de sapeca. “Trancar? Tadinho!” E a vendedora me contou que o cãozinho com cara de Totó era, na verdade, um furacão.
“Mas, como assim, um furacão?”, quisemos entender. E ela nos explicou que o Bud – esse é o nome do cão – passara uma temporada na casa dela durante uma viagem da dona e destruíra até o sofá. “O pobrezinho mora em apartamento e passa o dia inteiro trancado em um banheiro. Diz a guardiã dele que o leva a passear todos os dias, mas mesmo assim, acaba sendo pouco. Vai à rua, volta para o banheiro. Não vê nada, nem ninguém, nem pode brincar”, contou a balconista para a pequena plateia chocada em torno dela.
Minha pergunta é: por que quis ter um cachorro?
A resposta pode vir de diversas formas. A guardiã pode ter recebido o animal de presente, sem ter pedido ou se programado para isso; pode ter ficado com ele temporariamente, para colaborar com algum impedimento dentro da família e o bicho acabou ficando; morava numa casa e teve de se mudar para apartamento; ou comprou aquele filhotinho lindo, sem se dar conta de que filhote cresce, faz xixi, cocô, come sapatos, meias e, dependendo da raça e do tamanho, devora muitas outras coisas dentro de casa. Quem tem o mínimo conhecimento destes detalhes se organiza para ter um animal. Chamamos a isso de posse responsável.
E muita gente, mas muita mesmo, sequer tem noção do que é necessário saber para ter um animal em casa e praticar a posse responsável. E isso tem um motivo básico: a maioria das pessoas ainda pensa que animal é objeto, brinquedo. E dá no que dá. Compram-se bichos, presenteia-se com bichos, leva-se bichos pra casa como se fossem um pacote de biscoito. De repente, descobre-se que não era bem aquilo e a solução encontrada é descartá-lo, dando pra alguém, ou jogando fora mesmo. Uma cultura antiga, primitiva, ignorante, de que animais em casa são peças decorativas e pronto.
Ao lado da minha casa há um cão neurótico, quase como o Bud. Ele vive numa exígua varanda, no segundo piso de uma residência de dois andares. A guardiã o leva a passear, segundo meu filho, que já viu a cena algumas vezes. Mas na maior parte do tempo ele está trancafiado naquela varanda, sem ver ninguém além das pessoas da casa. E quem sofre mais com isso além dele mesmo? Eu, claro. Quando ele consegue enfiar a cabeça pela grade a única coisa que vê é meu quintal e as janelas do meu quarto e da minha cozinha. E basta ouvir vozes que late, late muito, sem parar, praticamente nem respira. E o latido dele é fino, agudo, intermitente, irritante. Um latido tão solitário e neurótico que até meus cães parecem ficar com pena. Enquanto ele late desesperadamente com a cabeça na grade, os meus bichos ficam olhando, sentados, calados.
Animais precisam de espaço, contato com pessoas – tanto as da casa, quanto de fora –, espaço suficiente para ter comida e água longe do local onde fazem xixi e cocô. E, de preferência, soltos. Tenho dois cachorros que vivem em um quintal com tamanho de sobra para que corram à vontade. Alimentação de um lado, excreções de outro. Possuem uma área protegida como também podem tomar sol quando querem. E não têm sequer coleira; vivem soltos, sempre. A coisa mais rara é ouvi-los latir.
Animais de estimação não devem ser tratados como gente mas, sim, como animais! Nisso já está embutido todo o respeito com que deveriam ser tratados todos os seres vivos. Simples.
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5 comentários:
Simples.
(mas tem gnt q faltou a essas aulas)
Perfeito. Animal tratado como animal, nem como gente, nem como objeto. Parabéns pelo texto.
Gosto muito da expressão “companheiros”. Além de ser uma verdade e tanto, ilustra bem que existe ali uma relação de cuidado, responsabilidade e afeto.
Pessoalmente prefiro substituir a palavra dono por companheiro, acho que é isso que somos. Nem acessório de moda, nem brinquedos, muito menos objeto de posse. Nós todos, seja em que espécie se esteja zoologicamente catalogado, pertencemos a natureza. Compartilhamos neste planeta o mesmo espaço bioativo que é de uso comunitário de todos os vivos (bactérias e vírus, inclusive estão aqui há muito mais tempo) sem distinção.
Recebi por email:
"Li o seu texto e dá muita pena desses bichinhos, o do banheiro e o da sacada... e nao é raro ouvir histórias assim. Pena mesmo é esses "donos" não aproveitarem a oportunidade de terem um cachorro em casa para aprender lições diárias de fidelidade, amizade e companheirismo."
Carol Spostes
Excelente texto Giovana, Parabéns!
É muito triste a humanização a que muitas pessoas submetem seus bichos de estimação, achando que só banho toda semana e ração de qualidade já garante uma qualidade de vida à eles.
Cachorro feliz tem sim que ter boa alimentação e higiene mas precisa também de correr, brincar, passear por aí, encontrar com outros cães, interagir com o ambiente e não ficar trancafiado o dia todo em casa e só sair para "ir ao banheiro".
Eles sofrem e nós sofremos ... também tenho vizinhos que tratam seus cães como bibelôs e os fizeram se tornar latidores insuportáveis.
Depois ainda dizem que nós é que somos racionais. : (
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