Cheguei para a entrevista atrasada, correndo,
bufando, e a surpresa foi completa quando encontrei o prefeito deitado dentro
do carro, ocupando com o corpo as duas poltronas da frente, a cabeça pendendo
para o lado de fora, de óculos escuros, mirando o céu. Mais calmo impossível e
nós, trinta minutos depois da hora marcada, constrangidos.
- Bom dia, prefeito, desculpe o adiantado da hora.
- Problema nenhum. Estava aqui admirando o voo
solitário de um urubu.
- (?)
- Minha mãe sempre dizia que quando a gente vê um
urubu voando bem alto e sozinho, é sinal de notícia boa.
Surpresa de novo. A vida inteira, o que recebemos de
informação sobre essa ave é que se trata de um bicho nojento, asqueroso,
perigoso, que come lixo e carniça. É feio, tem um andar coxo, muito esquisito,
chega a causar certo horror às vezes. Jamais imaginaria a possibilidade de boa
coisa a caminho, mesmo sendo apenas superstição.
O encontro com o prefeito aconteceu faz quase vinte
e cinco anos e, desde então, passei a observar melhor os urubus. Tentei reverter
dentro de mim o preconceito, procurando saber mais sobre esse pobre animal,
excluído de qualquer demonstração de apreço, consequente de seus hábitos.
O que mais gera repugnância no comportamento do
urubu é sua preferência por carnes em estado de putrefação. Quando não encontra
animais mortos, opta pela caça de bichos menores, como alguns roedores, sapos e
lagartos. Porém, exatamente por comer animais mortos, é considerado necessário,
até mesmo indispensável, por garantir o equilíbrio ecológico, livrando o
ambiente de doenças facilmente dissemináveis. Pra piorar a situação do desventurado,
ele não pode cantar, pois não possui órgão vocal específico. Portanto, grasna.
Destituída do preconceito, veio a compaixão. Todas
as vezes em que vejo um urubu, tenho ímpeto de parar pra olhar. Pude conhecer
um bem de perto num sítio, onde rolava um churrasco. A proprietária do local
(pasmem!) tinha um urubu de estimação. Caíra no quintal quando filhote, foi
tratado, alimentado e ficou. Claro que a única pessoa na festa que não sentiu
repugnância pelo animal fui eu (confesso um medinho de me aproximar muito).
Recentemente li uma história em que o personagem
narra sua própria morte, atacado por um bando de urubus que invadem o
apartamento. A sequência é horripilante, devido aos pormenores do banquete. É
mais um ponto a favor da ojeriza contra o animal já tão rejeitado – o autor não
poderia, por exemplo, falar em corujas? Elas também comem carne.
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2 comentários:
Hahahah!
Que azar!
Também nem quero pensar!
ótima história.
Lincoln
Que bom te ler, Giovana.
Amei a crônica.Esse urubu cometeu suicídio, tadinho!
Ele deve ter ficado desesperado pq se não terá quem lute pelos humanos que sofrem preconceito, quem lutará por ele, uma ave de rapina?
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