26 de fevereiro de 2014

Educação distorcida

Dois professores meus contaram mais ou menos a mesma história, em situações diferentes. Fizeram seus relatos com certa graça, só que o assunto é sério. Ao recordarem sua trajetória acadêmica, até alcançaram o doutorado, foi – e não deixou de ser – necessário afundar a cara em livros. Porém, não podiam estudar em casa; tinham de ir a uma biblioteca ou qualquer lugar onde pudessem simplesmente ler, sossegadamente. Não porque estivessem à procura de um local tranquilo. “Quando minha mãe perguntava o que estava fazendo e eu respondia que estava estudando, ela dizia: ‘Ah, então tá, já que não tá fazendo nada pode fazer isso e isso e isso pra mim?’”.

Com certeza, muito mais gente passou por algo semelhante. Um amigo escritor, por exemplo, diz que a mãe liga no meio da tarde: “Oi, meu filho, tá muito ocupado?” “Tô escrevendo, mãe.” “Então eu posso falar e blá-blá-blá...”.

Somos todos crias de uma sociedade cuja visão de educação é distorcida. Muitos ainda se formam numa faculdade com o objetivo único de ter emprego. Justo, muito justo assegurar a sobrevivência, no entanto, não necessitamos apenas de homens-boi. Conhecimento que é bom, nada. Educação para a liberdade, nem pensar. Estímulo para a construção do próprio saber, sem chance. Condição de desenvolver o senso crítico e a reflexão, nem de longe. E a gente vai vendo um monte de diplomado falando e escrevendo um monte de bobagem.

Educação, para a maioria, é apenas estar dentro da escola. É construir escola. É construir mais sala de aula. É entupir as salas de crianças. E ficar só nisso. Recentemente soube que um secretário de Educação teria afirmado, a boca pequena, que “a missão está cumprida quando tiramos da rua e ‘prendemos’ dentro da escola. Em cada uma, por exemplo, são cerca de 1500 que naquele período comete uma ou outra ação delinquente, mesmo que seja entre os muros do colégio, enquanto cometeriam várias se estivessem na rua”. E fica nisso a obrigação do Estado. Ou o desejo do Estado. E garante-se o voto na próxima eleição, com a criançada toda entulhada, afinal, está na escola. Sem receber educação.


No fim do ano passado participei de duas atividades em escolas, uma particular, de ensino médio, e outra pública, em turmas do ensino fundamental. Reafirmei a certeza de que toda criança reproduz o que aprende com os adultos. Constatei que há um mundo criativo a ser descoberto e desabrochado em cada um daqueles seres. Para isso precisam de um projeto de educação, não de investimento na precariedade do ensino, como se faz desde sempre. Para isso, precisam de educadores, capazes de descortinar um mundo de possibilidades em cada um de seus alunos.

(Tudo bem, professor ganha pouco, merecia muito mais, é certo, certíssimo. Mas estamos falando aqui de vocação, daqueles que realmente mereciam receber um salário justo pelo que fazem porque amam o que fazem, porque se preocupam mesmo com a educação e não frequentam as salas de aula por bico).

Há um hiato a ser preenchido e não se enxerga uma solução nem em longo prazo. Não é interessante. Não se dá o real valor à educação de fato. Ainda vão se formar por aí muitas mães como as dos meus professores, até que ocorra um milagre. Porque só mesmo por milagre. É o que o desânimo me faz pensar neste momento.
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