Dois professores meus contaram mais ou menos a mesma
história, em situações diferentes. Fizeram seus relatos com certa graça, só que
o assunto é sério. Ao recordarem sua trajetória acadêmica, até alcançaram o
doutorado, foi – e não deixou de ser – necessário afundar a cara em livros.
Porém, não podiam estudar em casa; tinham de ir a uma biblioteca ou qualquer
lugar onde pudessem simplesmente ler, sossegadamente. Não porque estivessem à
procura de um local tranquilo. “Quando minha mãe perguntava o que estava
fazendo e eu respondia que estava estudando, ela dizia: ‘Ah, então tá, já que
não tá fazendo nada pode fazer isso e isso e isso pra mim?’”.
Com certeza, muito mais gente passou por algo semelhante. Um
amigo escritor, por exemplo, diz que a mãe liga no meio da tarde: “Oi, meu
filho, tá muito ocupado?” “Tô escrevendo, mãe.” “Então eu posso falar e
blá-blá-blá...”.
Somos todos crias de uma sociedade cuja visão de educação é
distorcida. Muitos ainda se formam numa faculdade com o objetivo único de ter
emprego. Justo, muito justo assegurar a sobrevivência, no entanto, não
necessitamos apenas de homens-boi. Conhecimento que é bom, nada. Educação para
a liberdade, nem pensar. Estímulo para a construção do próprio saber, sem
chance. Condição de desenvolver o senso crítico e a reflexão, nem de longe. E a
gente vai vendo um monte de diplomado falando e escrevendo um monte de bobagem.
Educação, para a maioria, é apenas estar dentro da escola. É
construir escola. É construir mais sala de aula. É entupir as salas de
crianças. E ficar só nisso. Recentemente soube que um secretário de Educação
teria afirmado, a boca pequena, que “a missão está cumprida quando tiramos da
rua e ‘prendemos’ dentro da escola. Em cada uma, por exemplo, são cerca de 1500
que naquele período comete uma ou outra ação delinquente, mesmo que seja entre
os muros do colégio, enquanto cometeriam várias se estivessem na rua”. E fica
nisso a obrigação do Estado. Ou o desejo do Estado. E garante-se o voto na
próxima eleição, com a criançada toda entulhada, afinal, está na escola. Sem
receber educação.
No fim do ano passado participei de duas atividades em
escolas, uma particular, de ensino médio, e outra pública, em turmas do ensino
fundamental. Reafirmei a certeza de que toda criança reproduz o que aprende com
os adultos. Constatei que há um mundo criativo a ser descoberto e desabrochado
em cada um daqueles seres. Para isso precisam de um projeto de educação, não de
investimento na precariedade do ensino, como se faz desde sempre. Para isso,
precisam de educadores, capazes de descortinar um mundo de possibilidades em
cada um de seus alunos.
(Tudo bem, professor ganha pouco, merecia muito mais, é certo,
certíssimo. Mas estamos falando aqui de vocação, daqueles que realmente
mereciam receber um salário justo pelo que fazem porque amam o que fazem,
porque se preocupam mesmo com a educação e não frequentam as salas de aula por
bico).
Há um hiato a ser preenchido e não se enxerga uma solução
nem em longo prazo. Não é interessante. Não se dá o real valor à educação de
fato. Ainda vão se formar por aí muitas mães como as dos meus professores, até
que ocorra um milagre. Porque só mesmo por milagre. É o que o desânimo me faz
pensar neste momento.
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