28 de maio de 2013

“Eu acredito em gente louca”

Anos atrás li a afirmação acima no MSN de uma pessoa da família. Segundo explicou, na época – e se não me falha a memória falha – queria dizer que acreditava em gente louca de verdade, considerada louca mesmo, não os maluquetes com quem topamos a todo instante pela vida. Também eu, há alguns anos, escrevi uma crônica na qual questionava “Afinal, quem é normal?”. Falava de pacientes atendidos pelo sistema público de saúde mental, fazendo da vida deles algo muito mais interessante que os ‘normais’, com sua rotina muitas vezes insossa.

Tenho lido e ouvido tanta doideira ultimamente que tal pergunta saltita na minha cabeça o tempo todo: quem é normal? Ou melhor, o que é ser normal? Se um dia chegamos a um conceito de normalidade, hoje já virou fumaça e tudo e todos somos nem lá nem cá. Doideira? Pode ser mesmo.

Conheci de perto o encarceramento manicomial. Nos meus dias de aspirante a técnica em enfermagem cheguei a fazer estágio de meses numa clínica, em Volta Redonda. Naquele fim dos anos 80, ainda era possível conviver com pacientes enclausurados por epilepsia e até por alcoolismo. Quando digo enclausurado é porque incontáveis vezes os vi enjaulados numa solitária, sob o poder de uma injeção à qual todos chamavam de ‘entorta’, devidos aos efeitos cruéis que provocavam nos pacientes. Para qualquer ação de mau comportamento a ‘entorta’ era o castigo impingido a aqueles abandonados da sorte.

Quando era repórter de TV, acompanhei uma vistoria surpresa do Cremerj numa clínica aqui da região. Deprimente é muito pouco para descrever o estado daquelas pessoas. Era uma manhã relativamente fria e, ao chegarmos, demos de cara com os pacientes todos pelados num pátio tomando banho num jato de mangueira.  Estavam magros, abatidos, tristes, acabrunhados. Os corredores e enfermarias eram escuros e fétidos; o ambiente todo era medonho.

Foi lá que conheci uma mulher de seus quase oitenta anos, que aos 16 fora internada como louca após tentar fugir com o namorado. Ficou trancafiada naquele inferno a vida inteira e, claro, acabou enlouquecendo de verdade. Penso que algo semelhante deve ter ocorrido com muitos jovens na década de 60. Com suas aspirações e visão de mundo divergentes dos pais conservadores daquele tempo fervilhante, muitos devem ter sido atirados para dentro de muros de manicômios e por lá ficaram até endoidarem de vez e morrerem na depressão.

O Movimento Nacional da Luta Antimanicomial surgiu em 1987, mas só teve sua grande vitória em 2001, quando foi sancionada a Lei 10.216, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica. Ela reconhece todo o portador de transtorno mental como merecedor do convívio social e, por isso, só deve ser internado por tempo curto, apenas o necessário para o reequilíbrio por meio dos medicamentos. O movimento reivindica, além da efetivação da Reforma Psiquiátrica por todos os cantos do país, a construção de um modelo de saúde mental substitutivo, em detrimento das práticas manicomiais.

Atualmente temos novos loucos no pedaço. Não sei se precisam ou de que tratamento precisam, mas algo deve ser feito e urgente. Tem homofóbico racista presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados; tem ruralista derrubador de floresta presidente da Comissão de Meio Ambiente da mesma Casa; tem gente que se diz escritor e mal sabe o Português ensinado na primeira fase do ensino Fundamental; há milhares nas redes sociais que leem morubixaba e comentam ornitorrinco; há os que não começam o dia antes de saber como amanheceu o cabelo, qual a cor das unhas, com quem dormiu, o que comeu no almoço, qual a textura do cocô da celebridade. Tem homem (?) que ainda bate em mulher, tem mulher que ainda acredita que deve se submeter ao jugo masculino. Há quem pense que animal é objeto, brinquedo, artigo decorativo de jardim, que podem ser descartados quando ficam velhos e desgastados.

Os mais antigos diriam: “Este mundo está mesmo perdido” ou “Quanta maluquice se vê por aí hoje em dia, não?”. Até a manhã de ontem, tentava justificar muitos destes atos como ignorância, falta de oportunidade de acesso à informação, conformação a interesses diversos. Mas depois que li entrevista do cantor Amado Batista se confessando arrependido por não ter colaborado com a ditadura e que a tortura que sofreu na verdade o educou, surtei. Agora virou loucura geral. Ou está todo mundo maluco ou fui eu que endoidei de vez e perdi a noção de onde estou, quem sou, o que estou fazendo aqui.

Talvez uma nova política pública de saúde mental possa ser discutida para diagnóstico e tratamento deste novo tipo de maluquice que ocorre agora. A deles ou a minha. Vai saber.
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Um comentário:

Anônimo disse...

Lembrei agora do livro que li, do Augusto Cury: "O Futuro da Humanidade".