5 de fevereiro de 2013

Ah, coitadinha, não come carne


A cena que presenciei: a moça chega numa barraca de festa procurando algo pra comer. Só são oferecidos espetos de carne, linguiças, salsichas, mais nada. Ela é vegetariana e, claro, se recusa. A dona da barraca reage “coitadinha, não come carne; deve ser tão ‘desnutridazinha’, que dó”. Não era. Nunca foi. Continua vegetariana vendendo saúde e há pouco tempo teve um filho super saudável também. Que muito provavelmente não comerá carne, pela educação que com certeza terá.

Esta história ficou marcada na minha cabeça, pois foi a mais significativa de todas as que já assisti ou eu mesma vi em anos sem consumir carne vermelha. Supor que a moça vegetariana fosse desnutrida por não comer carne e sentir compaixão é demais. Entram aí não somente a total falta de informação e ainda um tanto de preconceito, como o demonstrado pelo poeta e cronista Fabrício Carpinejar em seu texto Nosso preconceito com o vegetarianismo que, aliás, foi o que me motivou a falar a respeito.

Admiro muito o Carpinejar, porém esta é mais uma constatação de que os grandes também dão varada n’água. Não foi nada bonito o que ele disse, mesmo nos trechos em que tenta se fazer de compreensivo com as escolhas alheias, o que pode ter sido uma tentativa de ser somente irônico e que não deu certo. Coisas do tipo: Preocupo-me com seu destino de pecador. (...) Não comer carne é identificado como um trauma, algo de grave aconteceu para abdicar das delícias naturais. (...) Ninguém abandonaria em sã consciência um filé selado e cheio de molho para passar o pão. (...) Sou tomado de um calor paternal, me dá esperanças de rifa. (...) Enxergo o vegetariano como alguém que desistiu do sexo, que optou pela abstinência. Cometo gafes a torto e a direito. Pergunto, inclusive, quantos dias ele está “jejuando”.

É por existir pessoas assim, ainda, em pleno século 21, que os vegetarianos passam por situações delicadas em ambientes carnívoros, têm de responder a perguntas absurdas, ouvir discursos descabidos, quando não nojentos dos defensores das picanhas sangrentas. Claro que há vegetarianos chatos, que não perdem uma oportunidade de falar veementemente por horas sobre sua opção e seus motivos, mas os vejo em menor número e na maioria dos casos em compreensível posição de defesa.

Comer carne é um hábito pra lá de primitivo. Sempre digo que é comer cadáver e sou criticada, chamada de radical. No entanto, o que é a carne animal, se não cadáver, assim como a dos humanos ou de outro bicho qualquer? Só porque são comestíveis não devem ser considerados cadáveres? E quando digo isso me incluo, pois meu lado primitivo ainda me força a consumir cadáveres de aves e peixes. Sem contar a desinformação ou total desprezo pelo sofrimento que passam os animais para que picanhas e outros cortes se tornem suculentos ao gosto dos que babam por isso.

Na vida diária de quem não come carne ou de quem como eu, só consome aves e peixes, há muita situação irritante. Os carnívoros são donos de restaurantes e bares e não costumam pensar ou lembrar os que gostariam de ver alternativas em seus cardápios. Há um restaurante onde costumo ir de vez em quando, que entre suas opções de carne oferece: bife de boi, costela de porco e fricassé de frango. Cá pra nós: fricassé é opção de carne branca onde? Outro problema pra nós são os tira-gostos nos bares. É tudo carne isso, carne aquilo, carne desse e daquele jeito. Se – eu disse se – tem frango, só a passarinho; se tem peixe, só isca. Sobre o cuidado no preparo, nem vou me estender. Ah, e tem batata frita, azeitona, queijo, pizza, tudo bem, vá lá.

Já fui convidada para um churrasco em que comi somente arroz, feito às pressas, porque nem isso o dono da festa se deu ao trabalho de providenciar. Carnívoro dos mais orgulhosos, encheu a churrasqueira de picanha, lotou o freezer de cerveja e se deu por satisfeito. E se espantou como se fora traído, quando disse que não comia carne bovina. Não me surpreende que esteja sempre com a face afogueada, transpire sem parar e tenha um mau hálito percebido a mais de metro de distância. A mulher dele, pobre, correu para o fogão para preparar um arroz, alguém sugeriu “buscar um franguinho rapidim”, mas eu, já acostumada, fiz a minha social e fui pra casa jantar.
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