11 de setembro de 2012

Nietzsche, Woolf, Benjamin, eu e tantos outros


Hemicrania. Este é o nome científico de um mal que acomete 20% da população mundial - a enxaqueca. Descobri este termo no livro “Quando Nietzsche Chorou”, de Irvin Yalom. A obra é de ficção, com personagens reais, e os ataques do filósofo nada tinham de fictícios. O descrente  Nietzsche não só sofria de crises graves, como não acreditava em nenhum socorro médico capaz de acabar com seu tormento. Minhas crises não chegam perto das de Nietzsche, não são tão intensas, porém, me incomodam por dias seguidos.

No capítulo 11, o médico Josef Breuer é chamado para socorrer Nietzsche no meio da madrugada, no quarto de um hotel. Seguem alguns trechos da descrição do estado dele, quando encontrado por Breuer:

“Sobre uma pequena cama num canto do quarto, jazia Nietzsche, apenas de cuecas, profundamente adormecido, talvez em coma. (...) Nietzsche parecia um moribundo: o rosto sombrio, os olhos fundos, todo o corpo frio, pálido e com a pele arrepiada. Sua respiração estava ofegante, as pulsações dispararam para 156 por minuto. Nietzsche estava tremendo, mas, quando Breuer tentou cobri-lo com um dos lençois deixados pela senhora Schlegel, ele gemeu e o afastou com um pontapé. 'Provavelmente hiperestesia extrema', pensou Breuer: tudo lhe é doloroso, mesmo o mero toque de um lençol. (...) Uma inspeção mais próxima confirmou o diagnóstico de Breuer de enxaqueca espasmódica bilateral: o rosto de Nietzsche, especialmente a testa e as orelhas, estava frio e pálido, as pupilas dilatadas e ambas as artérias temporais estavam muito contraídas, parecendo duas cordas finas e enregeladas em suas têmporas."

Não fazia ideia que uma crise de enxaqueca pudesse progredir de forma tão assustadora. Por isso disse que a minha nem chega perto. Sabia apenas de algumas causas - estresse, alergias, alimentos específicos, alterações no sono - e sintomas básicos - alterações visuais, dor intensa em um dos lados da cabeça, náusea, vômitos, perda de apetite, transpiração excessiva, sensibilidade a ruído e à luz, os quais conheço bem. O pior, pra mim, é a impossibilidade de tudo, ou quase tudo. Mal raciocino e por isso mal trabalho; não posso ler, escrever, conversar também dói; o humor vai a zero; não melhoro em um único dia.

Porém, a última crise me incomodou tanto, que resolvi saber mais a respeito, além do que constatei da história de Nietzsche. Confortou-me conhecer casos de grandes escritores que sofriam do mesmo problema, como Virginia Woolf, Robert Graves e o também filósofo Walter Benjamin. Esse, no livro "A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica" falou sobre a aura (alteração da visão) e até teve de interromper um ensaio que escrevia sobre Baudelaire por conta de uma crise. Enxaquecas também inspiraram poetas, como João Cabral de Mello Neto, de quem pincei estes versos:

“Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.”

Interessante foi conhecer o que estes notáveis conseguiram fazer com enxaquecas e suas peculiaridades. Algo que Diogo Mainardi cita muito bem em um de seus textos. “Eu sou um neófito da enxaqueca. O aspecto que mais me intrigou nos relatos sobre a moléstia foi (...) como tanta gente de talento conseguiu transformar o sofrimento debilitante em literatura, em arte, em filosofia. O segundo aspecto que mais me intrigou foi seu exato oposto: como eu nunca tirei nada do sofrimento, como eu sou um macaco.”

Por enquanto me sinto tão neófita quanto Mainardi, com uma simples diferença (ou não): já aprendi o quanto é significativo o momento em que a dor passa. Esse, sim, é digno de obra literária. Até porque, no meu caso, ela passa 'quando quer', sem grande ajuda dos vários remédios à disposição. A cabeça parece desinflar gradativamente, enquanto a sensação é de que a dor desce, não para o próprio corpo, mas desce para algum lugar que não sei onde. Fica um sentimento de mágoa, ou mesmo de ressaca, um cansaço, leseira. Quando a dor passa é como se a mente se abrisse novamente, depois de dias desacordada, sem noção de mundo, de gente em volta, de tarefas a cumprir, de coisas a escrever. 
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