Parece lugar comum o que vou dizer aqui, mas é que gosto mesmo de escrever sobre coisas que me enchem o saco - se me permite a franqueza - mesmo que sejam repetitivas. Escrever acaba sempre sendo um desabafo, por mais que eu tente ser impessoal, e há situações várias no dia de dia que são muito cansativas, por isso preciso falar.
O cenário é o salão da cabeleireira. Aguardo para fazer as unhas. Na saleta ao lado, duas mulheres conversam. O tom de voz é baixo, quase um coxixo, mas não tanto que me impeça de ouvir muito bem do que se trata o papo: maridos. Uma escuta e a outra tagarela, sem parar. Desfia um rosário sem fim de reclamações, cita fatos da rotina em casa, fala da relação dela e do marido com filhos, sempre enfatizando uma total insatisfação com seu ‘companheiro pra vida toda’. A outra, quando solta a voz, é pra concordar: “O fulano também faz assim”, “Ah, menina, lá em casa é a mesma coisa”. E a outra se encoraja a falar mais e mais e desencava mais histórias horripilantes do péssimo marido que tem em casa.
Você já deve ter ouvido conversa semelhante em algum lugar, com certeza. Pode mesmo ter participado de diálogo assim, porque é a coisa mais normal do mundo. Prosaico até. O que não é normal, para mim, é a vocação que certas pessoas têm para serem infelizes. Não concebo uma mulher ou um homem lamentar tanto, sem tomar uma providência para mudar de vida. Escutei pelo menos 60 minutos de histórias da vida daquela mulher e só pelo que saiu ali nem quero imaginar o que seja a rotina dela. Por que isso? O que faz uma pessoa viver com outra, dormir e acordar, passar 24 horas ali ao lado, sem ser feliz? Como alguém suporta conviver com companhia tão desagradável? O que move uma pessoa a passar anos e anos nessa amargura?
Pelo que pude observar a tal mulher trabalha, pois estava de uniforme. Portanto, não é exatamente do lar, que depende exclusivamente da renda do marido para sobreviver. Além disso, ela está na rua, no mundo, convive e conversa com outras pessoas. Pela linguagem que usa é inteligente e informada. Mas como muitas outras, gosta de ser infeliz, curte prazeirosamente o cara que lhe empurra para baixo.
Muito me custa entender essas lamentações recorrentes. Anos atrás passava por uma situação emocional difícil, precisava tomar uma decisão complicada, e fiquei meses me arrastando nesse conflito. Até que um amigo me olhou nos olhos e disse: “Muito cômodo ficar eternamente reclamando, né? Se está ruim, porque não faz alguma coisa pra ficar melhor? Que prazer é esse que você sente em sofrer, e pior, ficar lamentando sua vida nos ouvidos dos outros? Se nós não aguentamos, como é que você se aguenta?”. Tapa na cara; mudei, imediatamente. Tomei a decisão que precisava, revirei minha vida do avesso e de lá para cá toda vez que algo me incomoda trato logo de identificar o que é para despachar o problema e continuar tocando a vida. Fiz isso até com o câncer de mama, que me acometeu no ano passado. E tudo isso sozinha, eu comigo, pois sou eu quem deve decidir o que quero, como quero, quando quero e por quanto tempo. Se me incomoda ou me faz mal, tchau.
É certo que a convivência a dois exige esforços. Afinal, todo ser humano possui qualidades e limitações que devem ser compreendidas pelo outro, buscando uma relação mais pacífica. Até porque, se não houver dificuldade a ser enfrentada, onde estará o mérito? Porém, ouvir de uma mulher que “meu marido não gosta de me ver feliz” ou “toda vez que ele me vê bem, fala ou faz alguma coisa para me derrubar”, é sinal que alguém está dormindo com o inimigo. E isso, ‘pra vida toda’, é de um masoquismo que a contemporaneidade não aceita. Que tal o divórcio, uma vida nova, uma carreira, um novo emprego, casa nova, amigos diferentes do casal? Ninguém é obrigado a viver amarrado a outra pessoa por nenhum motivo. Muito menos pelos filhos, que acabam crescendo infelizes e amargos por causa da insatisfação dos pais. E o ciclo permanece: pais infelizes que criam filhos em ambientes infelizes, e esses crescem infelizes, para terem casamentos infelizes, pois foi dessa forma que aprenderam a viver. “E assim caminha a humanidade... não vou dizer que foi ruim, também não foi tão bom assim...”
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5 comentários:
Cada lugar do planeta deveria ter aquele muro das lamentações, igual ao dos Judeus.Assim pouparíamos nossos ouvidos das reclamações, principalmente daquelas que saem da gente pra gente mesmo.
É, taí um tema pra lá de recorrente, principalmente em salões de beleza!!! Afff!! No meu caso, emprestar os ouvidos às insatisfações alheias é meu ganha pão. Meu trabalho é ouvir as lamentações, os choros, os dramas individuais e conjugais - que nem sempre acabam em separações ou divórcios - mas que sempre deixam sequelas em forma de "má-água" que não são dissolvidas em "boa-água". Enfim, ouvir as dores, as queixas de tantas pessoas, como faço diariamente, ao longo de alguns anos, tem apurado a minha percepção e aumentado o meu entendimento sobre as relações pessoais. As reclamações conjugais, em geral, são cíclicas, e podem até ser desenhadas, como um gráfico. É algo como "tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?", ou seja, não se sabe o que foi a causa e o que foi consequência e assim se vai vivendo. Concluo, portanto, que o que faz a diferença é a coragem com que cada um de nós se dispõe a viver. Sim, é preciso coragem para viver!! Coragem para decepcionar, para mudar, para escolher!! Sem coragem não se ama, não se separa, não se perde nem se ganha!! Sem coragem, apenas se reclama, se oprime, se sufoca...
A Mirian Goldenberg usou o termo “O marido como capital” num artigo sobre “felicidades e infelicidades” na opinião de mulheres de meia-idade em diversos países. Segundo ela, a crença das brasileiras de que ter um marido/casamento é uma forma de se autoafirmar é tão forte que causa certas anomalias afetivas.
Acho que foi Euclides da Cunha, em "Os Sertões" que disse que "...a vida é combate, que aos fracos abate,e aos forte e bravos só faz enaltecer"(se não for isso, me perdoem a ignorância, mas também não tô com disposição de procurar no Google...rs).Tomar decisões difíceis, que levam a vida a uma intensidade maior,deixar de ser o que se conhece, mesmo sendo ruim, para passar a ser algo ainda desconhecido, exige força, algo que falta em muitos.E a questão é que na maior parte das vezes, a pessoa que reclama não quer resolver o problema, que pode envolver desgaste emocional, tomada de decisões difíceis, etc.Muitas vezes quer apenas compartilhar e assim "passa a bola", ou pelo menos divide com alguém o fardo.E infelizmente, no fim da vida, se tornam amargas por tanto tempo de queixume, e acham que a vida é horrível, por terem desprezado suas chances de fazer diferente.
A palavra e essa: coragem.
De sair fora, de mudar, de encarar a opinião dos outros, da família.
Mas depois passa e aí é só comemoração e felicidade.
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