24 de junho de 2009

O diploma de jornalista e o ministro que tem capangas

Por Nilo Sergio Gomes*

O fim da exigência do diploma para o exercício da profissão de jornalismo, decidida pelo STF pela ampla maioria de 8 votos a um, colocou o escriba das notícias na berlinda. O patronato e as empresas, em geral, ficaram muito satisfeitos com a decisão, diferentemente dos profissionais, cuja reação foi da frustração à perplexidade. Entretanto, a discussão que se espalhou pela mídia e na sociedade deve evitar a superfície da questão e aproveitar o momento para um necessário aprofundamento do debate a respeito do jornalismo praticado no Brasil, em especial, o da mídia hegemônica, ou seja, as grandes empresas e conglomerados de comunicação do país, a chamada grande imprensa.

Não é de hoje que o noticiário da grande mídia vem sendo questionado. Cada vez mais e, sobretudo, com crescente abrangência no meio social, o jornalismo “vendido” pelas grandes redes de comunicação é colocado sob suspeita. Suspeição que sobe de tom em períodos eleitorais, quando esmagadora parcela desta mídia hegemônica assume a defesa de candidaturas sem, contudo, esclarecer e informar a seus leitores, ouvintes e telespectadores sobre este posicionamento. Nas eleições de 2006, esta suspeição ficou tão evidente que serviu de estopim para o surgimento de um movimento intitulado dos “Sem-Mídia”, cujo primeiro ato foi de protesto em frente à sede de um dos mais emblemáticos representantes desta “mídia hegemônica”, a Folha de S. Paulo.

E o que se questiona nesta mídia hegemônica, além da parcialidade com que quase sempre conduz sua “cobertura jornalística” nos processos eleitorais? Questiona-se, em geral, a postura de “dona da verdade” e a parcialidade também com que realiza a cobertura dos fatos sociais. Sim, porque nem todos os atores sociais tem o mesmo espaço midiático. O Movimento dos Sem Terra, um dos exemplos mais explícitos, quase sempre aparece na mídia no papel de vilão ou “baderneiro”. Pouco sabemos a respeito das atividades que o MST realiza, por exemplo, na educação, na comunicação e na própria agricultura, origem do movimento. Quais as contribuições do MST nessas áreas, ele que é um movimento que já acumula décadas de existência, congregando milhares de militantes? Pela mídia, nã o o sabemos.

Enquanto militantes do MST quase sempre são apresentados sob a roupagem de “vândalos”, empresários acusados de grandes fraudes ou que estão sob investigação da Polícia Federal ou do Ministério Público recebem outro tratamento desta mesma mídia. É o caso de Daniel Dantas, notório “subversivo” da ordem e dos bons costumes financeiros. O caso dele é o que mais chama a atenção, mas não é o único. Aí estão Maluf, Edemar Ferreira (ex-dono do Banco Santos), Angelo Calmon de Sá...

O diploma de jornalista, portanto, não impediu e nem impede que o noticiário seja levado à população de forma enviesada, quando não totalmente distorcida. Um olhar mais atento à cobertura que esta mídia hegemônica realiza – e não é de hoje – na área política, percebe as induções a que muitas e tantas vezes leitores são levados por uma determinada manchete ou por combinações de fotos e textos produzindo sentidos e significações que não necessariamente são verdadeiros. Está na memória social a edição manipulada do debate final nas eleições de 1989, transmitida pelo telejornal de maior audiência no país. Ou seja, o diploma, de per si, não impede que a população e a sociedade sejam mal informadas. Tanto que sob os auspícios das novas tecnologias, outros lugares de fala vem se multiplicando através da internet, colocando em xeque, tantas vezes, o que foi noticiado na noite anterior por um telejornal ou que é a manchete do dia de um grande jornal.

Diferentemente do que tentou fazer crer em seu relatório o presidente do STF, Gilmar Mendes, a regulamentação da profissão de jornalista não foi uma dádiva da ditadura militar. Esta regulamentação, da qual decorreu a exigência do diploma, é uma luta que os jornalistas começaram a travar lá atrás, nos primeiros anos do século XX. Não foi um favor, menos ainda meio de impedir a livre circulação de idéias nos jornais. Até hoje, intelectuais de renome ocupam espaços privilegiados na imprensa, oferecendo suas opiniões e críticas a respeito dos mais variados temas. O que ocorreu durante a ditadura, todos sabemos, é que com diploma ou sem ele a livre manifestação do pensamento estava cerceada. Essa era a questão.

A comunicação é um direito humano e esta consciência se expande na sociedade com celeridade razoável, nos dias de hoje. O jornalismo é uma forma de comunicação cada vez mais presente e importante no cotidiano das sociedades, mas que implica, contudo, na adoção de técnicas de texto, de apuração e de edição, usos estes que devem ser, sim, alvo de controle social, para que não se desvirtuem dos princípios éticos que exigem a percepção de todas as abordagens possíveis que envolvam um fato social determinado. É a própria sociedade, através de suas entidades e organizações sociais, quem melhor pode exercer este monitoramento, de modo a garantir a pluralidade de visões e análises sobre o fato noticiado.

Ao misturar alhos e bugalhos com a notícia, o presidente do STF, seja lá com que intenções, demonstrou não entender nem de cozinha, muito menos de jornalismo. Talvez, lembrando o implícito que lhe foi dito, semanas atrás, a plenos pulmões e em plena corte, ele só entenda mesmo do ofício de dar ordens a capangas. Mas isso não diz respeito ao debate sobre o jornalismo e a exigência do diploma para o exercício da profissão.
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* Jornalista, professor universitário e doutorando da Escola de Comunicação da UFRJ
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