Por Henrique Acker
Que razões levaram juízes do Supremo Tribunal Federal a determinar não ser preciso um diploma para o exercício da profissão de jornalista? Difícil saber, mas o certo é que não podem ser as que foram externadas nos votos dos senhores ministros. Qualquer pessoa pode ser jornalista desde que saiba escrever? O texto jornalístico é confundível com um texto literário? Afinal, que argumentos são estes? O que determina a existência dos meios de comunicação?
A notícia é sempre um fato ou conjunto de fatos que destoam, fora do comum, inesperados para o conjunto da sociedade. A matéria do jornalismo é o FATO, que pode ser um assassinato, um acidente, a renúncia de um mandatário ou um golpe de Estado. O que dá a esses fatos diferenciados a cara de notícia é justamente o trabalho do repórter, aquele que reporta, que levanta as informações preferencialmente no local onde o fato acontece e os traduz, de forma clara e objetiva para a sociedade, através de um dos meios de comunicação: jornal, emissora de rádio, canal de TV ou página da internet.
O encadeamento do FATO em si com uma série de fatos correlatos (quem, onde, como, quando e por que) formam o núcleo da notícia, o resumo, o lead como chamamos no jargão jornalístico. Segue-se o corpo da matéria, na qual o repórter descreve de forma mais detalhada possível o acontecido, enriquecendo o texto com mais informações e muitas vezes com opiniões contraditórias colhidas entre testemunhas, pessoas envolvidas ou mesmo analistas sobre o assunto em questão.
O trabalho de colher informações sobre o fato e encadeá-las de forma clara e objetiva numa matéria cabe ao repórter, espécie de narrador dos acontecimentos para o leitor, ouvinte, telespectador ou internauta. A este trabalho se segue - numa redação de jornal de grande circulação, de uma emissora de rádio ou canal de TV - o do redator, que procura resumir e ordenar de forma lógica o conjunto de informações colhidas pelo colega que traz o material da rua. Por fim, cabe ao editor a responsabilidade de dar à matéria o devido destaque, colocando-a ou não na primeira página, na chamada do noticiário da rádio ou da TV, escolhendo o espaço e a melhor manchete para o texto. Não se pode esperar de um leigo que conheça a cadeia produtiva que envolve o jornalismo, mas é inadmissível que juízes de um tribunal da importância do STF anunciem uma decisão sem levar em conta a especialização necessária ao exercício de uma profissão. Ainda mais numa sociedade em que a informação é considerada preciosa para quem analisa e decide.
Senhores ministros do STF, jornalismo definitivamente não é literatura. O texto literário não tem limites, é infinito em suas formas e objetivos, por isso é literatura e ainda bem que é assim. Pode ou não estar vinculado à realidade. Muitos de nós, jornalistas, enveredaram pelo livro-reportagem, espécie de matéria de maior fôlego que dá origem a uma publicação literária. Alguns escritores, como Euclides da Cunha, foram também jornalistas. Graças a ele e sua forma objetiva de coletar, ordenar e descrever fatos, o país pode conhecer em detalhes a dureza dos combates da Guerra de Canudos, na riqueza de informações de “Os Sertões”.
É perfeitamente admissível que escritores assinem colunas nos jornais, como o fazem muitos deles até hoje. No entanto, o jornalismo do cotidiano, que enche as páginas dos jornais, que ocupa os noticiários de rádio, internet e de TV todos os dias, só pode ser obra do trabalho especializado de profissionais preparados para isto: os jornalistas. Cabe aos literatos, economistas, filósofos e até porque não aos juristas, analisar ou comentar os fatos já publicados, irradiados ou televisados pelos jornalistas.
Não, senhores ministros, não basta saber escrever para ser ou se tornar jornalista. É preciso estudar, dedicar-se, conhecer os meios de comunicação e as variadas formas que eles oferecem de apresentar a notícia. Existe uma técnica jornalística, que tem sido mascarada pela falta de objetividade verificada em muitos dos cursos de comunicação espalhados Brasil afora.
Tenho pra mim a impressão de que dois aspectos foram determinantes para a decisão de 18 de junho de 2009 do STF. O primeiro, a pressão de grandes meios de comunicação em sua luta permanente por desvalorizar o profissional de imprensa. O segundo, um misto de mediocridade e rancor de figuras poderosas que se viram desmoralizadas pelos últimos fatos envolvendo a estranha boa vontade daquele órgão com os poderosos e o lamentável bate-boca entre seu presidente e um dos ministros do Tribunal.
Sobrou para a sociedade brasileira pagar mais esta conta.
(*) Jornalista e radialista.
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