6 de março de 2009

Falta muito pra comemorar

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Li no blog da Flip um post do Flávio Moura, diretor de programação da festa deste ano, sobre escritores que declinam do convite para participar das mesas de debates. Para surpresa de todos, as justificativas, na maioria, são de origem familiar. Isso mesmo. Junot Díaz, ganhador do Pulitzer de 2008, por exemplo, desistiu de vir a Paraty no próximo mês de julho por estar cansado de extenuantes viagens, mas em 2008 disse que não podia vir porque tinha “um casamento na Itália”. No mesmo ano, Lobo Antunes –com participação confirmada – não pôde por causa da formatura da filha, que aconteceria na mesma data da Flip.

Confesso que por várias vezes me senti constrangida ao declinar de convites por conta de obrigações maternais. Claro que nunca me senti pessoalmente mal com isso, afinal, engravidei porque quis. Mas o constrangimento, na maioria das vezes, foi em consequência das cobranças sociais. A mulher que precisa voltar correndo pra casa, que não pode frequentar eventos noturnos ou precisa faltar ao trabalho de vez em quando por causa do filho, é sempre vista por aí com narizes torcidos.

Você poderá dizer “Ah, mas isso já mudou!”. Claro, mudou sim, mas ainda é pouco. Tanto é que ainda existem muitas restrições, mesmo que veladas, a mulheres que não tiveram filhos, candidatas a vagas de empregos. Em organizações empresariais é muito comum ver chefes bufando porque certa funcionária vai entrar de licença-maternidade.

Dia desses, no meu trabalho, uma amiga disse que a mulher-casada-mãe que está no mercado de trabalho na verdade é explorada pelo marido. E explicou: “Ela trabalha fora, mas continua cuidadando sozinha das obrigações com a casa e os filhos e ainda divide as despesas. Claro que isso é exploração! Muito cômodo pro marido.” E eu emendei, com minha frase de sempre: “Por isso que não caso mais”.

Mas, voltando ao exemplo dos escritores, Flávio Moura revela que a família também é o grande motivo das recusas de Kazuo Ishiguro, autor de Vestígios do dia, e do crítico James Wood, de How fiction works. “O primeiro se diz pouco à vontade para viajar para longe, enquanto o filho não for crescido o bastante para ficar sozinho. O segundo, com filhos pequenos, não quer nem ouvir falar em eventos a mais de duas horas de vôo de sua terra natal”.

Isso me dá certo conforto. Nada de me comparar, claro. A distância entre mim e eles é mais que longuíssima. Porém são homens e normalmente pais não têm essas preocupações, aliás, têm. Mas culturalmente quem sempre abre mão dos compromissos sociais e profissionais por causa de filho é mãe. E essas histórias familiares de grandes escritores me permitem pensar que é justo, sim, justíssimo, o tempo que dedicamos aos nossos filhotes. O mundo pode esperar o tempo que for necessário.

O que digo aqui é muito simples, diante de tudo o que ainda falta acontecer na nossa sociedade para que possamos, finalmente, comemorar de verdade o Dia Internacional da Mulher. Por enquanto, fico assistindo de longe ao recebimento de rosas e apagando os emails de felicitações.

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7 comentários:

Regina Vilarinhos disse...

É Giovana! Precisamos dedicar mais tempo à nós mesmas, ao que nos dá prazer, satisfação, conforto e dignidade. Filhos são a essência e nosso porto, a ida e a volta. A cobrança social é parte de um ritual a ser modificado. "Puxa você só pensa em casa!" "Você tem que viver mais para você mesma!" Quem diz isso não incorporou a fortuna da vida em família. "Abrir mão" em favor de filhos ou da família é encher a mão de recompensas.
Isso nos faz donas de nossas vontades e incomoda.
Receba as rosas! Parabéns!
beijo regina

Cessel disse...

É o preço injusto e caro que as mulheres pagam pelos direitos iguais.

Anônimo disse...

Mas ser mulher não é tarefa fácil, ainda mais quando se é mãe...Então, mesmo que não possa participar dos festejos, por conta de seus compromissos de Mulher, saiba que você como milhares de outras abnegadas mulheres são as que realmente zelam pelo modelo de mulher. Quem faz a opção pelo amor, pela dedicação, pelo zelo ao invés dos troféus, baladas e homenagens -- é a mulher em seu conceito mais puro. Quando a igualdade for maior, pode ser que possamos participar dos louros sem nos culpar pelos afazeres, mesmo assim, talvez o coração possa reclamar, porque sempre será um coração de mulher a bater no peito...Isso é lindo!

Anônimo disse...

Caramba, estou de acordo. As mulheres cada vez mais têm sido vítima de um machismo (velado). Elas, há muito, demonstram competências e habilidades para fazer o que, nós, homens fazemos. Vão além. Fazem melhor. Ainda são vítimas de um sistema machista, mas estão vencendo. Parabéns, mulheres, pelas conquistas. Você, Giovana, é uma das provas cabais dessa vitória. Tenho muito orgulho de poder acompanhar, mesmo que distante, sua trajetória.

Lincoln disse...

..tá profissional esse negócio de crônica!
Cada vez melhor!
Viva as mulheres!
A Glória Amorim ontem em reunião de Gabinete reclamou tb das festividades..."muito despolitizadas!" Ela espera que nas comemorações do ano que vem as festividades tenham outro cunho!
Eu também!
Beijos.

Giovana disse...

Amigos, transcrevo aqui o comentário do meu amigo Calino, que enviou por email: "ODEIO esse "papo careta" de dia municipal, estadual, nacional ou internacional da Mulher. Isso é coisa de povo subdesenvolvido. Na minha modesta opinião TODOS os dias são de vocês mulheres (principalmente as bonitas) kkkkkk."

Unknown disse...

É comum, trágico e as vezes até cômico a maneira como as coisas, com o passar do tempo, vão perdendo sua essência e, consequentemente, o "SENTIDO".
Não entendo muito de mulher - rsrsrs, mas sei que as "heroínas" não estão entre as rosas e sim entre os espinhos.