Afinal, o que há de educativo em observar
animais atrás de grades?
Não sei se foi coincidência, mas nas duas
últimas semanas foram insistentes algumas conversas acerca da exibição de
animais em zoológicos. Sou contra, simplesmente porque tenho o hábito de me
colocar no lugar do outro, seja este outro humano ou bicho. Se um animal é um
ser vivo como eu, que tem hábitos peculiares, sente dor, frio, fome, sono e se
estressa quando incomodado, com certeza não gosta nem um pouco de viver
enjaulado, exposto a olhares curiosos e gritaria de crianças todos os dias.
O costume de utilizar animais para entretenimento
vem lá da Roma antiga, quando homens se digladiavam com as feras, ou quando
criminosos eram jogados aos leões, para deleite da plateia. Mais tarde, os aristocratas do século 16
começaram a colecionar animais selvagens, para mostrar sua riqueza e poder.
Muitas expedições de caça de animais exóticos foram realizadas, para garantir
tal luxo. E já em 1794 foi criado em Paris o “Jardim das Plantas” que abrigava
diversas espécies animais para o lazer e contemplação da população europeia. Há
casos também de seres humanos considerados ‘aberrações’,
que também foram enjaulados como bichos e exibidos, tamanha a ignorância da
época.
Pra mim a ignorância permanece, pois é totalmente aético
prender bicho, principalmente para expô-lo. No Brasil há centenas de
zoológicos distribuídos por estados e municípios, que recebem quase 30 milhões
de visitantes por ano. Há sempre um especialista a dizer
que não são animais retirados de seu habitat, que são resgatados
de circos, onde sofrem maus tratos, ou capturados em diversas situações de
risco. Há ainda os que nascem em cativeiro e nele são mantidos, sem nunca
conhecer o sabor da vida em liberdade. Se for mesmo assim, claro que esses
animais dependem de tratamento especial, em locais adequados para sua
recuperação, porém deveriam ser devolvidos ao seu ambiente de origem, quando
possível. Se não, que permaneçam cativos, mas em paz, em local silencioso, longe
da balbúrdia provocada pela visitação pública.
Segundo
a doutora em filosofia moral, Sônia Teresinha Felipe, professora da
Universidade Federal da Santa Catarina, não adianta manter o bicho preso num
zoo sob a justificativa da preservação. “O que os zoos fazem é procurar a
reprodução biológica de espécies ameaçadas de extinção. Mas, quando falamos em
preservar espécies não pensamos que ela seja constituída apenas por sua bagagem
genética. Cada espécie animal precisa de um espírito específico, que permita a
preservação daquele tipo de vida de forma autônoma. Isso os zoos não podem
fazer. No máximo, o que eles preservam, é o banco genético. (...) Guardamos,
assim, o patrimônio genético, que é matéria biológica, mas matamos o patrimônio
genuinamente 'animal' dessas espécies”.
Ainda há outro engano cometido pelas
administrações de zoos. A maioria afirma que os zoológicos cumprem um importante
papel educativo e de conservação das espécies ameaçadas. Cá pra nós: qual é o
valor educacional de observar um bicho atrás de uma jaula em pleno século 21? O
animal fica lá, e a criançada de cá, aos berros. Os horários dos bichos
normalmente não são respeitados, muitos andam de um lado a outro da jaula numa
demonstração típica de estresse. Onde está o lado educativo disso? O que
aprendem ali os visitantes? A naturalizar a covardia de manter um ser vivo em
prisão perpétua? Que crime ele cometeu? Ah, tá, não nasceu humano.
É importante frisar que durante as visitas, a
criançada atira um monte de bobagens para os animais comerem (a proibição existe,
mas a fiscalização sempre é precária), desde biscoitos de isopor a pacotes
plásticos e chupetas. Não me esqueço do
resultado da autópsia da ema que morreu no zoo de Volta Redonda anos atrás, em
cujo estômago foram encontradas chupetas, argolas de plástico, bolinhas etc. Por
falar nisso, no dia das crianças o Zoológico de
Volta Redonda recebeu mais
de cinco mil visitantes. Perdoe-me a administração municipal, mas pra mim isso
não é motivo de comemoração. Coloque-se no lugar do animal, caro leitor, e imagine
o estresse dele ao fim do dia.
Para se ter uma ideia do quanto a vida em
cativeiro pode ser prejudicial aos animais, uso como exemplo o caso dos
elefantes, cujos números são de cair o queixo: os elefantes africanos (Loxodonta
africana) vivem em média 56 anos na natureza, contra apenas 17 em cativeiro; já
os asiáticos (Elephas maximus) alcançam a idade média de 42 anos numa população
semilivre, contra 19 anos quando estão em zoos. Os dados foram obtidos a partir
de uma análise de mais de 4,5 mil animais mundo afora e estão em artigo da
revista Science de dezembro de 2008. Pensa
que algo pode ter mudado em tão pouco tempo? Não se iluda.
Confira você mesmo alguns exemplos de
comportamentos anormais, causados pelo estresse em cativeiro, chamados de
zoocoses: vomitar e comer o próprio vômito; comer fezes; andar em círculos; movimentar
o corpo repetidamente para trás e para frente; balançar a cabeça para cima e
para baixo; virar o pescoço de forma exagerada; morder e lamber as barras da
jaula ou outros locais; automutilação (mastigar o próprio rabo, morder a perna
etc).
Há cerca cinco milhões de animais selvagens em
zoológicos espalhados pelo mundo. Meio milhão morrem por ano. Na ânsia de exercer
o domínio sob a natureza, o homem caça, captura, prende, com o objetivo único
de ter para si o que não lhe pertence, para olhar, admirar, exibir.
Animais enjaulados são tristes. Pássaro
engaiolado canta de tristeza. Não há ganho nisso, não há graça. Não posso me sentir feliz em detrimento do bem-estar e da felicidade
alheios, sejam humanos ou não.
***
Fontes:
.
6 comentários:
Oi Gigi,
para variar, estou com tigo e não abro.
Lugar de animal selvagem é
no seu habitat natural, na mata, dentro dos rios, em cima das árvores... As estatísticas que voce citou, da pouca longevidade deles em cativeiro é a irrefutável prova disso.
Calino.
Pior que é assim mesmo Giovana.
Quando pequena eu ia ao zoo pela escola, ia lá ver os bichos, "estudar"... E era super normal isso.
Só quando cresci e pensar por mim mesma é que passei a ter consciência de tudo que acontece lá para que a gente veja os animais. Que fala sério né, hj em dia com tanta tecnologia podemos estudar até melhor, de outras maneiras.
Giovana,
Infelizmente, concordamos com tudo que escreveu.
O zoológico nos mostra o quanto somos primitivos e cegos em relação ao outro.
É constrangedor o número de pessoas que visitam , sem ao menos questionar, aqueles animais visivelmente tristes.
Falta reflexão. Começa pelos colégios que promovem o passeio da escola ao Zoo.
O homem se mostra bastante ignorante quando o tema é animal, vaidade e poder ..
Parabéns pelo texto!
Grande abraço,
Vira-Lata
Olá!
É a primeira vez que entro em seu blog, vi uma chamada no twitter (@queridocachorro) para este post e cá estou!
Sou bióloga e estou concluindo uma especialização em manejo e conservação de animais silvestres, e, por mais que concorde com muitos pontos que você expôs no post, por ter já feito trabalhos em diversos zoológicos, devo dizer que 'o buraco é mais embaixo'...
A expectativa de vida dos animais em cativeiro ser menor não é regra: alguns animais vivem mais em cativeiro, por estar longe de predadores, ter sempre alimento disponível e (supostamente) acesso a tratamento veterinário. Mas aí que está, por não terem 'dificuldades' na vida em cativeiro (não fogem de predador, não saem em busca de alimento) muitos começam a desenvolver as estereotipias, estes comportamentos atípicos que você citou. Existe toda uma ciência em desenvolvimento agora (Enriquecimento ambiental) que busca minimizar estas estereotipias, para promover o bem-estar animal.
Mas por que então não soltar estes animais? Além de os animais que são mantidos em cativeiro com contato humano não conseguem sobreviver na natureza por motivos óbvios, o zoológico querendo ou não desempenha um papel hoje que será muito difícil de erradicar. São feitas muitas pesquisas nestes animais em cativeiro (e não, não pense que estou falando sobre pesquisas que usam animais como cobaias), para saber sobre a dieta, o comportamento, a reprodução e mais outros dados da história natural destes animais que irão servir para traçar uma estratégia de conservação para os que estão em vida livre. E a educação ambiental em zoos está mudando, e assim que todas estas instituições verem que a população não se sensibiliza somente vendo o animal preso, e sim necessita de informações, acredito que esta educação será muito mais efetiva.
Alguns zoológicos estão a muitos passos a frente. É só visitar o zoo de Itatiba (SP) e ver os recintos e perceber a diferença daqueles que estávamos acostumados a ver quando éramos crianças. O Zoo de Sorocaba (SP) também tem uma estratégia interessante de educação ambiental...
É claro que manter um animal enjaulado é realmente digno de condenação, mas muito pior do que os que vocês vêem em exposição são os animais 'entulhados' no setor extra, que é praticamente onipresente nas instituições. Mas sinto em lhe informar que a maioria destes animais está lá porque insistimos em invadir o espaço deles, e é alarmante o número de animais que chegam parcialmente eletrocutados, atropelados ou com qualquer outra injúria do tipo devido obras de estradas, hidrelétricas e outros.
Peço desculpas por ter me estendido tanto, mas quis muito expor minha opinião (que é de uma pessoa que já viveu nestes ambientes) e dizer que os animais presos em zoológicos são somente a ponta do iceberg!
Abraços!
Como sempre mais um excelente post.
Quando criança adorava ir ao Zoo ver os animais mas depois de já crescidinha e de ter adquirido uma consciência ecológica mais apurada não consigo mais achar graça em ver aqueles animais enjaulados. Me dá uma tristeza profunda. Aqui no de Volta Redonda tem um pássaro enorme, se não me engano um Condor-dos-Andes, que fica no chão, triste ... é de cortar o coração ver uma ave daquele porte que não tem espaço suficiente sequer para bater suas asas!
Olá
Excelente post!
Animais devem viver livres em seu ambiente natural, de origem e jamais deveriam viver presos.
Acho muito triste ver um passarinho na gaiola por exemplo, muito triste.
Flávia do blog Luxo Básico
Postar um comentário