12 de outubro de 2011

Educação para o trabalho


Cadê?

Quando era criança, lembro muito bem dos meus pais e dos outros pais da época, educando os filhos para estudarem para terem emprego. E era o que muitos faziam. Estudavam, sem se importar com o ganho de conhecimento ou com uma capacitação especial; apenas se preocupavam com as notas que os fariam passar de ano e ao final do curso tirar um diploma que os encaminhassem a um ‘emprego pra vida toda’. O tempo passou, mas, infelizmente, os bancos das faculdades estão lotados de gente que pensa assim. Pior: pensa que só diploma vai fazer milagre. Isso mesmo, milagre.

Não é de hoje que ouvimos e vemos inúmeras reportagens nos dando conta da falta de mão de obra qualificada em diversos segmentos. Para um país que amargou anos de crise com desemprego, poderíamos estar comemorando tal fato, mas ele nos leva a outra constatação: a educação no país não acompanha as reais necessidades do mercado de trabalho. Não basta um diploma de Arquiteto. É preciso ser arquiteto, urbanista, planejador, conhecedor das artes, da cidade, do meio ambiente, da legislação, ter a mínima noção do que é espaço, desenhar (não só no CAD), calcular, e o principal, saber que a arquitetura vai muito além de projetar uma casa para um cliente. E ler, ler muito. Não estou exagerando: falo do básico. Pense em qualquer outra profissão e force a mente para enumerar as habilidades que deve ter para estar, mesmo, preparado para disputar uma vaga de principiante em qualquer empresa.

Empregadores querem profissionais preparados para algo mais do que era valorizado antigamente: o funcionário exemplar, que bate o ponto na hora certa todos os dias, nunca falta ao serviço, entra quieto, sai calado, faz sua parte, bem quadradinha e vai embora. Não estuda, não se aprimora, não se especializa, fica a vida inteira fazendo a mesma coisa. Já foi tempo. Este aí, pode apostar, de exemplar não tem mais nada.

E nossa educação não tem olhos pra isso; se tem, ainda não despertou para a solução objetiva do problema. Desde o ensino fundamental, o que se vê nas escolas é aquela batalha árdua para que o aluno some os pontos necessários para ser aprovado. Aprendeu alguma coisa? Vai se saber... Hoje em dia até que houve certo avanço, por exemplo, nas questões de prova, que são contextualizadas e evitam a decoreba. Mas ainda assim, é a nota o que importa. Indo mais além, nossas crianças e jovens são treinados, como robôs, para passarem no vestibular. Até passam. Mas dá pena de ver o que são estas pessoas que chegam às salas de aula dos cursos superiores: não interpretam um texto, não leem, não escrevem, não debatem, não têm opinião, não discernem, não sabem fazer um projeto, um trabalho que precise pesquisar, categorizar, formular, descrever, defender. São aprovadas no aperto das notas esticadas, recebem o diploma de graduação e... Muitos passam a fazer parte da lista de desempregados, embora as empresas estejam gritando por profissionais.

Segundo levantamento divulgado em abril pela Confederação Nacional da Indústria – CNI, 69% das indústrias brasileiras sofrem escassez de mão de obra qualificada e 52% dos empresários consultados disseram que a má qualidade da educação básica é um dos principais entraves na qualificação dos funcionários. 94% das empresas registram maiores dificuldades para encontrar operadores, 82% para contratar técnicos, 71% para funcionários qualificados em vendas e marketing, 66% para a área administrativa, 62% para gerentes e profissionais de pesquisa e desenvolvimento, e 61% para engenheiros. Os setores mais afetados são os de vestuário (84%), equipamentos de transporte (83%), limpeza e perfumaria (82%) e móveis (80%).

Falar sobre o tema já está virando ladainha na grande imprensa , mas poucos se referem a mudanças mais que drásticas na educação para que a cultura da notinha da prova e do diploma seja extinta de vez das nossas instituições de ensino. É preciso mais. Talvez nem saibamos que mais seja este. Mas é urgente pensarmos a respeito e colocar as ideias pra fora.

E o problema agora se estende também ao comércio. Manchete da segunda-feira do Portal iG trazia: "Ninguém quer trabalhar", diz lojista. O desabafo levado ao título da matéria é de uma gerente de loja de São Paulo, que já fez de tudo para encontrar funcionários, sem sucesso. Até há alguns meses, ainda pedia pelo menos uma passagem rápida por algum comércio ou conclusão do segundo grau. Agora, pra conquistar a vaga e ter a carteira assinada, basta saber ler e escrever, ser maior de 18 anos e ter disposição para pegar no pesado. E segundo apurou a reportagem, o cartaz anunciando as vagas permanece lá há meses, amarelado pelo tempo.
.o passoi

4 comentários:

Unknown disse...

O que é o registro de ponto? Pra que uniformizar? Por que bloquear sites? Por que as faltas no colégio reprovam? Por que sentamos enfileirados?
Eu vejo uma falta de amor generalizada, digo, falta de amor pelo ofício profissional e pela própria vocação. Os pais querem escolher a profissão dos filhos, os alunos querem "passar de ano", as faculdades querem manter os números e as empresas, exceto as inovadoras, ainda mantêm uma cultura de Revolução Industrial.

Ítalo de Paula Pinto disse...

Excelente artigo. Hoje assistimos um problema ainda maior. O sistema educacional está falido e nem mesmo o "ter nota para passar" é levado a sério. A desestrutura familiar e a falta de perspectiva de futuro, que afligem as camadas mais baixas fez com que os alunos estejam na escola apenas por estar. Porque não tem outro lugar para ir. Ou mesmo, porque os pais não os aguentam em casa.

Chegamos a tal ponto que diretores e supervisores, temendo a total reprovação, "sugerem" a distribuição de notas a esmo, mesmo que o aluno não tenha adquirido conhecimento algum.

Veja, não há aqui a pretensão em defender o sistema de notas e aprovação. Também sou contrário a esse modelo. Mas, por outro lado, assistimos agora a um modelo que não valoriza o conhecimento e muito menos se preocupa com o mínimo de habilidades adquiridas pelos alunos. Estar ou não na escola é um mero detalhe.

Isso quer dizer que a escola pública não forma? É relativo. Aquelas crianças que ainda possuem um lar estruturado, baseado no apoio ao estudante, estão salvos desse problema. O problema é que essa característica é cada vez mais difícil de se encontrar nos lares brasileiros. Boa parte dessas crianças estão órfãos de pais, mas também de Estado.

A sociedade? Não se preocupa como deveria com terceiros. A lei do cada um por si é bastante usada atualmente em nosso país.

Obrigado.

Giovana disse...

Comentário recebido por email:

"Então..
consegui ler, mas não consegui postar pq o servidor da empresa não permite acesso.
Sensacional o texto!
Acredite, qdo eu estava no ensino médio, de saco cheio das inúteis avaliações complexas que o colégio exigia (consequentemente cheio de notas baixas), no auge dos 16, 17 anos de idade, comecei a fazer, em vão, esses questionamentos. O que eu ouvia era: "cala a boca, e vai estudar..." rsrsrs...tipo papo de vagabundo, revolucionário..
Encerrei o ciclo aos trancos e barrancos com o mesmo diploma dos "bons de prova", e ao ingressar na universidade me obriguei a ser algo mais que um mero frequentador de aulas pois, após uma escolha minha, aquele aprendizado sim se tornaria uma obrigação profissional.
Há algum tempo venho tentando juntar um grupo de ex-alunos e atuais profissionais atuantes para palestras gratuitas a vestibulandos no colégio onde estudamos, pois esta orientação fundamental de carreira o colégio ignora..ainda sigo com essa expectativa. Seria somente um complemento deste universo que é a educação, principalmente nas diversas passagens de formação da vida uma pessoa.

Beijo grande!
Guto."

Ricardo Nascimento disse...

Acho estranho essa política de disputa, colocando gente nova em bancos "escolares" para decoreba com o objetivo de passar para um colégio de "nome" ou bom de verdade. Precisamos preparar - independente da idade - incluindo a nós mesmos - gente para a vida, pois nela se inclui informação, conhecimento e sabedoria. A leitura nos torna fortes e é assim que deve ser.