Uma senhora me confessou que sente muito por seus filhos não serem seus amigos. Filhos e filhas. Lamentou por ter criado tantos, e no entanto, nenhum lhe devota amizade. Pelo menos não a amizade que ela esperava. Sente mais pelas filhas, com quem para ela seria mais natural desenvolver algo mais além de uma relação filial.
É uma senhora solitária. Parece que a vida não lhe tem sido muito generosa ultimamente. Porém, nada diferente de outras tantas senhoras que também vivem sozinhas em suas casas ou apartamentos, lúcidas, capazes, têm ou não seus namorados, vivem ou não uma dinâmica familiar intensa. Muitas que conheço até preferem assim, pois podem desfrutar melhor a liberdade e a independência que só a idade e a experiência proporcionam (quando se tem saúde, claro).
Por ser também mãe e por estar constantemente ligada no relacionamento com o filhote e como melhorá-lo cada vez mais, leio muito a respeito. Tudo e mais um pouco o que psicólogos, psiquiatras, psicopedagogos, pediatras, educadores divulgam de seus estudos sobre o tema. E a maioria é categórica: pai e mãe são pai e mãe; amigo é amigo. Duas situações bem distintas e que, por mais que se tente, não se fundem. Há, segundo estes especialistas, muita confusão na hora de identificar e separar bem amizade de relação filial; muita gente acaba achando que é possível ser 100% amigo dos filhos, faz um angu de caroço, e sempre dá problema.
"Pai é genitor, benfeitor, protetor, gerador, a origem. Amigo é uma pessoa a quem somos ligados por identificação, afeição. Os filhos não querem um pai-amigo, porque amigos eles já têm. São aqueles confidentes para questões do dia a dia, com quem tramam suas paqueras, suas saídas, jogam conversa fora", explica a psicóloga Walnei Arenque. Já o psiquiatra Içami Tiba diz que “pai (ou mãe) não pode ser amigo porque não é uma função que se escolhe, e amigo se pode escolher. O filho é filho do pai e tem que honrar os compromissos estabelecidos com ele. Um filho não pode trocar de pai assim como troca de amigo, por exemplo”. E para a psicóloga Ana Cláudia Ferreira de Oliveira, “se os pais se comportam somente como amigos de seus filhos, podemos nos perguntar ‘quem estará fazendo o papel dos pais em seu lugar?’ E esse é um grande perigo, pois a criança e o jovem precisam de orientação adequada e segura, além de alguém que apenas os ouça e os aconselhe, como um amigo faria”.
Há, portanto, que haver equilíbrio nestas relações, por isso entendo perfeitamente o que aquela senhora quis dizer e o que esperava dos filhos e filhas. Queria-os mais próximos, convivendo mais intimamente, trocando conversas, confidências, intimidades. Isso não é impossível, mas mães que vêm de uma educação repressora e repetem este modelo com filhos, dificilmente conseguirão ser grandes amigas.
Quando ela se lamentou sobre a falta de amizade dos filhos e filhas, deu vontade de perguntar: “E a senhora, é amiga dos seus filhos e filhas?”. Mas não tenho liberdade para isso e apenas me limitei a ouvir. Mães desta idade podem ser extremamente dogmáticas, prisioneiras dos próprios preconceitos, inflexíveis com qualquer situação, comportamento ou opinião que não estejam de acordo com suas verdades. A cada conversa que entabulam com alguém, há sempre uma regra a ser estabelecida, um não aceito, não concordo, isto não está certo, e cobram posturas que são apenas delas, e que não poderiam ser exigidas de outrem. Enfim, um posicionamento que não faz dos filhos e filhas seus amigos. Faz, sim, filhos e filhas que, como numa escola, aprendem, obedecem as regras até o momento em que ganham o mundo e criam seus próprios costumes, sua própria cultura. Não é que não haja amor; amor por mãe é incondicional, indiscutível. Mas porque há amor deve-se respeitar as diferenças, e mães dogmáticas não costumam se dispor a abrir os horizontes.
Já os amigos respeitam as diferenças dos seus amigos. Amigos, para serem amigos, não ditam regras, ao contrário, aceitam seus amigos como são. Amigos não exigem que seus amigos hajam e pensem como eles. Amigos não fazem cobranças. Amigos não provocam intrigas entre seus amigos. Amigos são livres.
Lamento muito que tal senhora sofra por tal motivo.
Sei que também cometo meus erros na educação do meu filho. Afinal, o que seria dos psicanalistas se não fossem as mães? Mas posso dizer, por outro lado, que estou de olhos bem abertos, procurando enxergar onde erro, onde acerto, onde exagero, até que ponto posso dar liberdade ou apertar com os limites. E não tento ser amiga; não no sentido de querer ter com ele a mesma relação que tem com as amigas da idade dele. Sou mãe, busco uma relação de confiança, respeito, companheirismo, intimidade e muito amor. Sem cobrança, sem jogar nada na cara, sem exigir nada em troca, permitindo que ele escolha o que quer ser, como quer ser, achando lindo que ele seja diferente de mim.
.
.
.
.
.
.
.
Um comentário:
Que lição!
Realmente, nós que somos pais, às vezes, deixamos a função de pai, para tornarmos amigos. Ou pensamos que podemos ser amigos. Rsrs.
Adorei o texto. Verdadeira aula de Psicologia.
Sempre brilhante, como tudo o que escreve.
Parabéns!
Postar um comentário