O assunto era câncer e a vizinha do bairro comentou com
minha mãe “Puxa vida, tinha uma moça bonita que morava naquela casa da esquina e
me deu muita dó vê-la se tratando. Sabia que estava careca; usava uns lenços
bonitos, chapéus, às vezes lavava o quintal, sempre saía de carro, muito
discreta. Sabe que fiquei preocupada de uns tempos pra cá? Porque ela sumiu, de
repente. Acho que morreu, tadinha”.
A mulher falava de mim, para minha mãe. Não sabia da
minha mudança de casa, há quase um ano. Sempre muito discreta, me mudei sem alarde, e
agora imagino que muitos outros devem estar pensando que morri. Engraçado é que
minha mãe se apressou em dizer que a ex-moradora daquela casa amarela da
esquina era eu, filha dela, e que estava muito bem, distribuindo saúde. Mas mesmo
assim a vizinha ficou hesitante, sem muita certeza. Mais engraçado ainda é que
saí de lá um ano após o fim do tratamento e já tinha até cabelos. Acho que a tal me via
muito pouco...
Comentei a história em casa, com o maridão, e ele riu,
analisando o comportamento geral das pessoas quando o assunto é uma doença
grave, como o câncer. Para ele, a ignorância provoca reações deste tipo. Mas retruquei,
imediatamente. O estigma de doença fatal transformou o câncer numa entidade má
e é só dizer que alguém diagnosticou um tumor para provocar uma comoção
aterrorizada. Muitos, então, nem conseguem falar ‘câncer’. Inventam de tudo
para substituir o nome da doença ruim. Todo mundo é assim, ignorante ou não.
O problema é mesmo o estigma. Quando me tratava do câncer
de mama, minha cardiologista minimizou o problema ao falar sobre pacientes que
sofrem de insuficiência cardíaca. “O indivíduo pode morrer a qualquer momento,
num estalo, dormir e não acordar. Não há cura. O câncer ainda tem tratamento,
mas a insuficiência cardíaca não. E, no entanto, é do câncer que as pessoas têm
medo. É um rótulo inadequado”. E realmente a gente não presta a atenção nas outras. Insuficiência renal também mata. E dengue.
A conversa da vizinha com minha mãe me botou pra pensar. Quantas
pessoas não me veem há muito tempo e não souberam de mim após o tratamento? Quantos
mais podem estar pensando que morri, pois não têm notícias minhas? Quem me lê,
me vê e me adiciona nas redes sociais sabe que estou vivíssima (sou eu mesma no
Twitter e no Facebook, hein, pessoal?!), porém pode haver outros por aí que
foram informados um dia que eu estava com câncer e não souberam de mais nada. “E aquela jornalista, será que está viva?”.
Estou. Viva, leve, faceira e lépida. Trabalhando muito,
escrevendo muito mais. E a experiência
me mudou não só de casa. Parte de uma Giovana velha e desgastada morreu, sim, e
esta que vos fala é vida puríssima. Lancei um livro, casei, preparo mais um
livro para o ano que vem, edito uma revista. Após ficar careca, ganhei cabelos
cacheados que agora chegam à altura dos ombros. Minhas mamas vão bem, obrigada
(ainda tenho as duas), embora de tamanhos diferentes. Quase dois anos depois,
ainda faço acompanhamento periódico como paciente oncológica, me submeto a
exames que ainda me deixam tensa, mas, fazer o quê? São itens da minha agenda
dos quais não posso me furtar.
E por causa da história que ouvi, me programo para fazer
um passeio a pé pelo bairro em que morei, para que todos me vejam, me
cumprimentem, perguntem “Como vai?”, e eu responda “Estou muito bem, muito bem
mesmo!”
.
14 comentários:
É sempre muito bom saber que você está melhor a cada dia. Lembro quando soube do seu cancer.
Não te conhecia de conversa, mas sim como professora da faculdade e já me preparava para ser sua aluna (me disseram que você era muito durona). Então veio a notícia e logo perdi a chance de aprender com você. Mas olha como o mundo da voltas né, agora trabalho do seu ladinho e descobri o quanto você é gente boa. Agredeço muito ao Papai do céu pela oportunidade de trabalhar com você ete conhecer melhor.
Que bom que ainda está conosco, que se recuperou, e muito bem, e continua sendo essa mulecona que nos passa uma sensação muito boa ao simplismente abrir a boca quando estamos por perto. Giovana Damaceno morta?! "Nem a pau Juvenal"! Vivíssima da silva e é assim que vemos e convivemos!
E por falar em viva, quando der, passa aqui no shopping para nos fazer uma visita e nos dar o ar de sua graça. =)
Beijoks
E bem viva por sinal!!!!
Ri, muito lendo as primeiras linhas. Adorei...Texto maravilhoso.
Fiquei imaginando a sua mãe tendo que ouvir a vizinha falando.
Já pensou?
Não a conheço pessoalmente, mas um dia quem sabe não nos encontramos pelas ruas de Paraty.
Abraços e beijos no coração.
Viva a alegria de viver!
SUGESTÃO: ao dar o passeio pelo bairro, leve uma faixa bem grande anunciando: sou eu mesma; não morri! rsrsrsrsrsrsr
Beijocas virtuais do
Calino.
Onde iremos parar? Não satisfeitas em cuidar da vida agora existem pessoas querendo cuidar da morte alheia! Pagar nossas contas que é bom ninguém quer rsrsrsrsrs
Só rindo mesmo!
Prova de que o tema ainda é tabu: acabei de receber email de pessoa muito querida me sugerindo que não escreva mais sobre isso. Impossível!
Ah...queria ver seus lindos cabelos cacheados, amiga! E que viva a morte em vida, que nos faz renovar e perceber que a vida é muito pouca para não ser vivida! beijos saudosos...
Ps. Minha singela opinião é que vc deve escrever mais sobre isso, mas cá entre nós, ambas sabemos que a escrita é algo que passa longe do dever!!!!
...e viva!!!!!!!!!
Prá falar bobagem não falta gente. Bom saber que está firme repassando alegria, confiança e trabalhando muito. Escrevendo a sua história com um final feliz. Abraço.
Wilson.
Quando você me deu a oportunidade de trabalhar com você, a cada dia passado ao seu lado e da Cintia, foi um aprendizado que trago para o meu dia a dia até hoje, e você mesmo passando por todas as turbulencias nunca deixou de sorrrir, eu sempre te digo isso e vou dizer sempre, você é um exemplo a ser seguido em muitos sentidos.Adolo você.
Uma doença também é experiência e ensina mais a respeito de nós mesmos do que qualquer outra lição! Ser diagnosticado com uma doença grave é ser surpreendido com um passaporte carimbado para "o outro lado" da vida; é ter acesso a informações quase que secretas; é estar suspenso, no ar, à espera! Nesse caminhar, enquanto se espera, se chora, se recolhe, se ajeita e se prepara... E PARA TUDO!! E quando esse "tudo", ou outro "tudo", acontece é como se fôssemos cutucados, alertados, para o simples fato de que isso - também - é viver!!!
Claro que minhas impressões são apenas as minhas impressões!! Fato é que o câncer, próximo de mim, me fez perder o medo da morte. Somos carne, somos matéria e perecemos. Isto é fato e irremediável!! Quando? Não sei! E por isso vivo da melhor forma que posso viver, cultivando as alegrias que me fazem bem, seguindo do jeito que me faz feliz porque sou a soma de tudo o que há em mim. De tudo o que vi, senti, perdi e... Ganhei!!
Sabe do que mais???
Que bom que essa senhora gosta de vc, ainda que seja do jeito dela, meio torto. Legal cada um se importa pelo outro do seu jeito. E é tão bom indicar pra minhas amigas esses blog,sua experiência ajuda muita gente a lutar e se renovar, seja por causa do cancer ou não.
Continua!!!
Beijos...
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