30 de março de 2008

Meu sábado por um cisco

A fragilidade humana, sem aviso prévio

Sábado à noite. Depois de uma semana inteira de expectativa pelo fim de semana e de um dia inteiro de trabalho duro, entro no banho, me preparando para uma longa noite de diversão, quando um cisco encontra um cantinho do meu olho direito. Do cantinho, move-se para debaixo da pálpebra superior, bem no meio, me impedindo até de piscar. Para quem esperava uma noite de puro deleite, foi uma questão de segundos para viver o fim do meu sábado, por um cisco.

Em 15 minutos estava no hospital, de olho fechado, segurando-o com a mão, para não sentir dor. Deito na maca, luz em cima, médico com o cotonete pronto para entrar em ação, abre o olho e ... “É, pelo jeito esse não faz parte do grupo caseiro, aquele pretinho, poeira da CSN. Não consigo vê-lo”. Anestésico, abre o olho de novo e cotonete e jato de soro. Nada. Saio do hospital com um 'baita' curativo e a recomendação de voltar no dia seguinte, caso o cisco ainda permanecesse lá. “Agora você precisa dormir”, disse o médico, no meu sábado, às 11 da noite.

Depressão. Desânimo. Uma sensação de fragilidade que só aparece nestes momentos. Um cisco, invisível a olho nu, tem a capacidade de fazer tamanho estrago. Jamais tive tanta certeza que somos menores que átomos neste universo infinito que nos rege. Ou seja, “muito pouco ou quase nada”. Estamos à mercê de forças superiores, a qual chamo de Deus, outros de Alá, Oxalá, Jeová, ou somente força da natureza. Algo ou alguém oculto que fica lá, a espreita, esperando o momento certo de dizer “fica aí que eu tô mandando”, como me mandaram ficar em casa naquele sábado.

E neste momento em que falo de fragilidade lembro de situações do dia-a-dia em que isso fica claro e às vezes hilário. Se fui arrastada à cama por um cisco, o que dizer da frase “não posso ver sangue”? Isso mesmo. Anos atrás (não preciso dizer quantos, né?) trabalhava no Hemonúcleo de Barra Mansa (ainda era setor de Hemotransfusão) e recebia doadores de sangue todas as manhãs. Não era raro um marmanjo desmaiar antes, durante ou depois da doação. Falo em marmanjo, porque eram aqueles homens enormes, musculosos, que costumamos chamar de armário duplex seis portas. Fragilidade é para qualquer um; ninguém está livre. Nem aquele bombeiro másculo, que precisou de atendimento dos profissionais do Pronto Socorro para acordar.

Atualmente estamos à mercê de mosquitos. Esses pelo menos são maiores que ciscos. A diferença é que cisco não provoca a morte de ninguém. Pelo menos desconheço algum caso. E é mosquito da dengue pra cá, mosquito da febre amarela pra lá. E nós, seres humanos, numa movimentação constante para ver estes bichinhos minúsculos cada vez mais distantes do nosso convívio. Por quê? Somos frágeis a eles, completamente impotentes àquela picadinha que poderia ser perfeitamente inocente. Afinal, somos gigantescos, não?

Somos gigantes, sim, da arrogância e da prepotência. Não nos dobramos a regras e leis, debochamos de tudo o que possa minimamente limitar nossa liberdade, afinal, “a vida é muito curta e a gente tem que aproveitar”. Planejamos nossas vidas como se fôssemos sozinhos no mundo, sem o próximo, sem a certeira Lei de Murphy. E quando menos esperamos estamos presos à caminha quente, numa noite também quente de sábado, que muito merecia um chope, por conta de um cisco.

E se a gente parar para pensar, é justamente à mercê de seres minúsculos, só visíveis em microscópios, que nós humanos acabamos. As piores doenças, que levam milhares de pessoas à morte, são causadas por vírus e bactérias, que estão aí, na natureza, desde que o mundo é mundo, aterrorizando nossas vidas. Aids, febre amarela, dengue, gripe aviária, varíola (alguém lembra desta?). E um monte de gente grande sucumbindo a estas viroses, que arrasam todo o orgulho, nariz empinado e queixo pra cima.

Um cisco. Entrou, saiu, ainda bem. E me deixou a certeza de que sou nada, ou quase nada, e agradeço diariamente às tais forças superiores que tenha ficado apenas, apenas num cisco. E que perdi somente uma noite de sábado.
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Um comentário:

Regina Vilarinhos disse...

Só mesmo você para nos dar a noção da grandeza do cisco. Abraços